RENAN, Ernesto. Marco Aurélio e fim do mundo antigo. Lisboa: Lello e Irmão, 1964.

Nome: Carolina Ribeiro Julio

Resenha:
Neste livro, o autor – um apaixonado por história do cristianismo- relata o progresso da igreja cristã durante o reinado de Marco Aurélio, que através de seus escritos privados, possibilitou conhecer e criticar o os acontecimentos do mundo antigo.

Refere-se a Marco Aurélio com um homem perfeito, um pagão, “que honrou a natureza humana e não qualquer religião” (pág. 12) realizou com perfeição a política liberal e nem suas falhas como administrador ofuscaram sua história. Foi também um grande admirador d.a filosofia estóica Filosofia esta, que ia contra aos ideais cristãos da época.

Ao discutir o conflito entre os filósofos e os cristãos, coloca a posição de Marco Aurélio, como romano, em manter sua postura conservadora, e optar por manter a tradição grega, abolindo até mesmo o latim. Esta atitude causou verdadeira revolta entre os cristãos, que não aceitando a posição do então governante, começaram a protestar. Marco Aurélio, para impor a ordem, inicia sua perseguição.
A partir daí, o autor constrói uma cronologia histórica, indo da expansão da Igreja Católica, à morte de Marco Aurélio e consolidação do cristianismo.

Coloca a tentativa, junto a Marco Aurélio, de que este aceitasse os cristãos. Isto acontece quando na batalha contra os Quados, o exército romano, quase aniquilado devido à sede, recebe sobre eles uma “chuva refrescante”, levando-os a vencerem a batalha. Este fato foi atribuído as orações de Marco Aurélio, porém os cristãos, aproveitam do fato, dizendo que na verdade a chuva abençoada foi resultado das orações deles, e que com isso os romanos deveriam ser gratos. Neste período, surge então o movimento literário, no qual se destaca a Apologia de Militão, que escrevia, em grego, a Marco Aurélio, em defesa dos cristãos, onde procurava mostrar, dentre os vários argumentos, que o cristianismo se contentava com o direito comum de um romano. Porém, nenhum dos argumentos foi suficiente para mudar a idéia do imperador.

As perseguições continuaram, com uso inclusive de torturas, porém, as vítimas mantinham seus laços de fé até o fim. Mesmo sobre tortura, não se reclamavam, ao contrário, louvavam ainda mais a deus. Assim, iam ganhando apoio, e quanto mais os perseguiam, mais a sua religião se solidificava.

A morte de Marco Aurélio no ano de 180 foi triunfal para a igreja, que já se difundia por vários países, e tinha como sede Roma. Lembra a instituição da comunhão com Jesus através do pão e vinho, criando assim, um laço maior com os fiéis. Com um grande número de fervorosos fiéis, e detentora de grandes riquezas, passa também a ter grande importância e poder sobre o Estado.

O autor procura mostrar as qualidades de Marco Aurélio, demonstrando que suas atitudes foram normais para a época, e as táticas criadas durante o período de consolidação da igreja católica, que são conhecidos até nos dias atuais, com intenção de credenciar sua religião, recrutando fiéis e mantendo o controle sobre eles.

O livro tem uma boa construção cronológica e nos permite entender bem a questão entre romanos e “cristãos” de forma clara. O autor evita expor sua opinião, se concentrando bem na análise dos acontecimentos.


Título do trecho selecionado – “Perseguições contra os cristãos”.

Trecho
– A filosofia, que tão arraigadamente conquistara o coração de Marco Aurélio, era hostil ao cristianismo. Frontão, seu preceptor, parece eivado de imensos prejuízos contra os cristãos: ora, sabe-se que Marco Aurélio conservou, como uma religião, as suas recordações da juventude e as impressões dos seus mestres. Geralmente os pedagogos gregos eram inimigos do povo culto. Orgulhoso nos seus direitos de pai de família considerava-se lesado o preceptor pelos catequistas que entravam clandestinamente as suas funções e indispunham os seus discípulos incitando-os à rebelião. Esses pedantes tinham na corte dos Antonios um favoritismo e uma importância talvez exagerados. Muitas vezes as denúncias contra os cristãos provinham de preceptores conscienciosos, que julgavam na obrigação de preservar a juventude confiada ao seu ensino contra uma propaganda indiscreta, antagônica às idéias da sua família. São igualmente servos os literatos como Élio Aristides. Para eles os judeus e os cristãos são ímpios que negam os deuses, inimigos da sociedade, perturbadores do sossego das famílias, intrigantes que se intrometem por toda a parte, chamando tudo a si, questiunculadores presunçosos e malevolentes. Homens, como Galeno, antes espíritos práticos do que filósofos ou retóricos manifestavam menos parcialidade louvando, sem reservas, a castidade, a austeridade, os costumes serenos de sectários inofensivos que a calúnia transforma em odiosos malfeitores.

O imperador tinha por hábito conservar íntegras as antigas máximas romanas. Bastava isso para que o novo reinado fosse pouco favorável à igreja. A tradição romana é um dogma para Marco Aurélio, predispondo-se para a virtude . Os prejuízos do estóico duplicavam-se com os do patriota, e estava escrito que o melhor dos homens cometeria o maior dos erros por excesso de seriedade, de aplicação e de espírito conservador. Ah! Se ele tivesse qualquer coisa da leviandade de Adriano e do riso de Luciano!
Com certeza que Marco Aurélio conheceu muitos cristãos. Havia-os entre os seus criados, na sua casa. Tinha por eles pouca estima. O sobrenatural que era a essência do cristianismo devia ser-lhe antipático, sentindo pelos judeus o mesmo rancor dos outros romanos. Parece que nunca viu quaisquer textos evangélicos; ignorou talvez o nome de Jesus; o que o maravilhou como estóico, foi a coragem dos mártires. Um fato o emocionou, porém; foi o seu ar triunfal, a sua de ir espontaneamente para a morte. Esta bravata contra a lei pareceu-lhe de mau resultado; e como chefe de Estado, considerou-a um perigo.

O estoicismo aconselhava a sofrer resignado a morte, mas nunca a procurá-la. Não apresentara Epiceto o heroísmo dos como o efeito de um fanatismo pertinaz? Élio Aristides exprime-se também do mesmo modo? Essas mortes voluntárias pareceram ao augusto moralista afectações tão pouco razoáveis como o suicídio teatral de Peregrino. Lê-se a nota seguinte no seu caderno de pensamento: “disposição de alma sempre prestes a separar-se do corpo, quer para se extinguir, quer para se dispensar, quer ainda para persistir. Quando digo “prestes” digo-o como o efeito de um juízo próprio e não por mera oposição, como os cristãos; deve ser um ato refletido, grave, capaz de persuadir os outros sem decorativo trágico”. Tinha razão; o verdadeiro liberal deve recusar tudo aos fanáticos, até o prazer de serem mártires.

Não mudou Marco Aurélio a conduta estabelecida contra os cristãos. As perseguições foram a conseqüência dos princípios fundamentais do Império em matéria de associação. Marco Aurélio em vez de exagerar a legislação anterior, atenuo-a e foi uma das glórias do seu reinado a extensão que deu aos direitos dos colégios. Aplicava-se o seu rescrito pronunciando a deportação contra as agitações supersticiosas, muito mais às profecias políticas ou aos entrujões que exploravam a credulidade pública do que aos cultos estabelecidos. No entanto não foi até a raiz; não aboliu integralmente as leis contra os colégios ilícitos e daí provieram na província algumas aplicações deveras lamentáveis. A censura que se lhe possa fazer é a mesma que se pode endereçar aos modernos soberanos que não suprimem com uma penada todas as leis restritas da liberdade de reunião, de associação e de imprensa. À distância que estamos, vê-se bem que Marco Aurélio seria melhor se tivesse sido inteiramente liberal, desenvolvesse no imperador, por modo menos desastroso, o princípio teocrático e absoluto. Mas não se pode censurar um homem de estado o não ter uma revolução radical prevendo acontecimentos que se darão muitos séculos depois.

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