KRAMER, Samuel N. Mesopotâmia. Rio de Janeiro: José Olympio,1971

Acadêmico: Tiago Portes Borges

Resenha:
Neste livro, Mesopotâmia, o berço da civilização, temos a história de um tesouro escondido das cidades de um longínquo passado. Mas além de ouro, prata, peças de marfim e jóias talhadas nas mais diversas pedras preciosas, a obra revela à nossos conhecimentos, informações como o conhecimento que as antigas civilizações tinham, desvendando os grandes mistérios e esses sim, tem muito mais valor que o tesouro material. As cidades, Suméria, Babilônia, Assíria jazem agora como baixos e pardacentos montes de terra no deserto do Iraque, a antiga região da Mesopotâmia. Em meados do século XIX, exploradores imaginosos começaram a esquadrinhar os montículos, uns após outros, e logo trouxeram à luz palácios e templos sepultos.

O que norteia a matéria deste livro, é o conceito da Mesopotâmia como berço da civilização, como a primeira experiência do homem para engrandecer a sua vida. De qualidade invejável, a obra apresenta em imagens coloridas e papel revista, imagens e infográficos que colaboram para a interpretação do leitor. Já nas primeiras páginas, temos um mapa mostrando os lugares e cidades do berço da civilização, como cidades modernas, antigas e locais de escavação. O primeiro capítulo é destinado à Terra entre Rios, significado da palavra Mesopotâmia, termo bastante utilizado neste texto. Embora pareça atualmente pouca atraente, a terra onde hoje é o Iraque, para a história é de grande significado, pois neste lugar, próximo de 5000 anos, embalada pelos rios Tigre e Eufrates, foi que o homem se tornou civilizado.

Outra informação, digna de comentário, descrita ainda nesse capítulo, é de que foi nas primeiras cidades da Mesopotâmia que se inventou e se desenvolveu o sistema prático de escrita, operando como uma revolução nas comunicações, com efeitos do maior alcance para o progresso econômico, intelectual e cultural do homem. Antes que os arqueólogos começassem a escavar a Mesopotâmia, quase nada se conhecia sobre os impérios que ali floresceram. A bíblia e as obras dos historiadores gregos e romanos fizeram breves referências aos babilônios e assírios, mas a informação era vaga e contraditória. De um povo ainda mais antigo, os sumérios, não se sabia absolutamente nada. Devido fazerem suas construções com material pouco resistentes às intempéries, os povos dessa região ficaram esquecidos por tão longo tempo, ao contrário dos egípcios e outros construtores de impérios. Destaca-se como principal sítio arqueológico da Mesopotâmia, os remanescentes da cidade de Nippur, cuja análise científica das ruínas, cacos de cerâmica e placas de argila, os arqueólogos estão compondo um quadro cada vez mais completo da primeira civilização que o mundo conheceu. Uma parte interessante deste livro, é que ele mostra, embora de maneira defasada e desatualizada, as descobertas arqueológicas, catalogando e estratificando a história. Tudo com imagens fantásticas, coloridas e auto explicativas. Mostra ainda, até técnicas de arqueologia, como a utilização de moldes de látex ou fotografias aéreas (com o auxilio de um papagaio de papel), e reconstrução de objetos danificados. O autor discorre sobre as primeiras cidades, seus modos de vida, sociedade, o desenvolvimento do comércio, expansão do império.

Mais no final da obra, é descrito um pouco sobre fé, mitos e ritos, onde a região da antiga Mesopotâmia é a mais velha dentre as que nos oferecem documentos escritos. Faz ainda uma cronologia dos acontecimentos na antiga Mesopotâmia relacionando a história e a cultura dos povos. O livro tem uma característica didática muito forte, o que para um leitor que não está habituado com o assunto, ao final de sua leitura, tem um amplo domínio do tema, devido o livro ser de leitura fascinante, prática e estimulante, principalmente pelas belas ilustrações que o compõe.


Trecho selecionado: “A vida imutável nos pântanos”

Trecho:
Desde os primeiros albores da civilização, a vida quase não sofreu modificações para o povo que vive nas vastidões pantanosas da Mesopotâmia meridional, onde se reúnem as águas do Tigre e do Eufrates. Aqui, numa paisagem aparentemente sem fim de brejos, moitas de caniços e estreitas lagoas, o tempo vai passando virtualmente despercebido, sem ser marcado pelos calendários. Os habitantes do pântano guardam apenas a lembrança de algumas poucas gerações, mas seu sistema de vida é ainda o que se estabeleceu há 60 séculos passados, nos dias em que as primeiras tribos nômades se fixaram nesta zona alagadiça.

Como os seus remotos predecessores, os homens dos pântanos colhem peixe nas lagoas, cozem pão ázimo em fornos primitivos, criam búfalos aquáticos e constroem cabanas arqueadas, de caniços compridos. Há decerto, algumas diferenças. Os habitantes de hoje, que se consideram de descendência árabe, adoram Alá e não os deuses da antiga Suméria, e importam tecidos e algumas armas de fogo paras caçar nas redondezas. Mas, de um modo geral, a sua existência cotidiana é o eco de um tempo em que ainda não existiam as cidades nem a escrita. De acordo com um mito babilônico, o mundo começou quando o deus Marduck construiu um plataforma de caniços e de terra sobre um universo primitivo onde todas as terras eram mar. Quase do mesmo jeito, as tribos atuais do pântano constroem aldeias sobre ilhas artificiais formadas de caniços e de lodo. Cada habitação repousa sobre sua própria ilhota, que também serve de terreiro para os búfalos aquáticos da família. Estes animais, primeiramente domesticados pelos sumérios por volta de 4000 a. C., são essenciais para a economia do pântano, fornecendo leite e carne para a alimentação, assim como estêrco.

Numa terra desprovida de árvores e sem pedreiras, as tribos do pântano constroem as suas casas com o único material disponível, os frágeis caniços. As edificações assim feitas – com estruturas em forma de túnele teto arqueado – são remanescentes de um dos mais velhos estilos arquitetônicos que a história registra: as cabanas de caniços dos antigos mesopotâmios. Estes construtores primitivos empregaram as primeiras colunas conhecidas, arcos e tetos abobadados. Os modernos habitantes do pântano usam os mesmos elementos quase de igual meneira. Constroem um arcabouço com a fixação no solo de dois feixes de caniços bem atados para constituírem colunas, depois encurvando-os e prendendo-os no alto para formarem arcos. Traves são colocadas e toda a estrutura é coberta de palha. No desolado ambiente – onde os temporais do inverno dificultam o transporte e onde as inundações da primavera muitas vezes alagam aldeias inteiras – a simples sobrevivência é uma batalha de sol a sol. As tarefas que asseguram a vida dessas aldeias são elas próprias remanescências de um passado remoto. O arroz, ali introduzido por volta de 1000 anos a. C., constitui o alimento básico. É plantado em covas rasas, colhido a mão, e transportado para as aldeias em canoas de fundo chato. Às vezes as enchentes, que ajudam a irrigar as secas terras de plantio fora dos pântanos, alagam completamente os arrozais e destroem a colheita de uma estação. As canoas constituem o único meio de transporte nos pântanos. A madeira para construí-las tem de ser importada do Iraque setentrional, assim como betume, uma substância asfáltica usada para calafetar as tábuas do casco. Anualmente raspa-se a velha camada de betume e aplica-se uma outra para permitir que os barcos flutuem. Para trocá-las por madeira e betume, os habitantes do pântanos tecem esteiras com a palha dos caniços.

Apesar de tão inóspitos, os pântanos têm sido um perene refúgio para caçadores e pescadores. Patos e garças criam-se aos milhares nos caniçais, onde durante séculos, os homens os tem apanhado para sua nutrição. Carpas e enguias, farpeadas ou colhidas em redes nas lagoas, alimentaram os primitivos mesopotâmios; atualmente os habitantes do pântano pescam estes mesmos peixes com longas varas de bambu, cuja extremidade é provida de cinco pontas de metal em forma de garfo. No passado, os pântanos também ofereciam outra espécie de refúgio para foragidos da justiça.

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