GOUGH, Michael; Os Primitivos Cristãos. Lisboa: Verbo, 1969.

Rogério Vial

Resenha: Este livro faz uma breve analise do cristão primitivos, porém não aprofunda-se em temas voltados a história deste. Na verdade aborda a arte, a arquitetura, o panorama religioso e a trajetória de uma seita que acaba por tornar-se a religião oficial de um Império. Dirige as analises na direção de ser a herdeira ideológica e política do Império Romano do Ocidente. É um trabalho rico em fotografias de mosaicos, molduras, esculturas e adornos destes primeiros cristãos.

Uma das partes que chama atenção é o trabalho realizado para “decifrar” as plantas das primeiras igrejas cristãs no mundo romano. Sua linha analítica compara construções de diversos pontos do mundo mediterrâneo, traçando um breve perfil da construção cristã destinada ao culto religioso.

Outra importante linha de trabalho da obra é a situação que a igreja cristã alcança com a oficialização da mesma como “Religião do Império Romano”. As perseguições do Império contra os cristão que aparecem em Roma de forma crescente e que, conforme o autor, “criam desordens em nome de Chrestus”. Essa afirmação do autor é contestada por alguns historiadores pois, Chrestus não seria Cristo propriamente, mas seria sim um escravo revolto que liderou rebeliões contra Roma e seu modo de produção escravo. Podemos deixar estas e outras comparações a um segundo plano, pois a linha escolhida pelo autor é de responsabilidade dele próprio e nossa analise parte somente deste trabalho.

A responsabilidade por fatos ocorridos no Império e que desorganizavam ou criavam alguma instabilidade eram atribuídos aos cristãos. Nero, por exemplo, quando do incêndio de Roma, não poupou os cristãos e jogou toda a responsabilidade do incêndio para estes que foram ferozmente perseguidos. Os três primeiros séculos foram uma verdadeira tormenta na vida dos adeptos desta seita. Não raro os cristãos eram jogados as feras para diversão da população romana. Estes condenados certamente não reivindicavam para si as glórias de um Reino terrestre, mas mesmo assim Roma não aceitava um outro Reino, mesmo que fosse sob o plano espiritual.

Porém surge Constantino que oficializa o cristianismo como religião do Império e eleva-o a um patamar organizacional hierarquizado, com doutrina e todos os itens necessários para a oficialização da religião. Podemos ver também como Constantinopla é escolhida para sediar o Império Romano do Oriente. Isso demonstra que Constantino calculou todos os passos da escolha do cristianismo como religião oficial e de Constantinopla para sede o Império Bizantino.
Analisando os avanços q o cristianismo teve podemos considerar que a própria instituição do cristianismo como religião oficial do Império, criou uma “exclusão” dos cristãos do mundo oficial da religião. Pois a consolidação de uma doutrina e a colocação de uma liturgia excluía quem estivesse fora desta linha atribuída ao cristianismo. É bem verdade que essa mesma organização foi um dos pilares para a conquista cristão do Ocidente, mas as perseguições sobre os cristãos que estivessem fora deste plano continuaram mesmo após isso.

A situação organizacional da Igreja Cristã baseia-se na organização do próprio Império, essa hierarquização manteve-se inalterada por séculos, alias, se encontra atualmente inalterada. Esse trabalho nos dá uma visão sobre a conturbada vida dos cristãos primitivos.


Trecho do livro:

A Batalha da Ponte Mílvio tinha estabelecido Constantino como o protetor dos cristãos e, no ano seguinte, em Milão, Licínio associou-se a ele na sua nova política. Não é muito provável que aos cristãos os recentes acontecimentos tenham parecido a proclamação do nascimento de uma era. Eles tinham, com certeza, boas razões para ser cépticos, pois os mais velhos, pelo menos, deviam lembrar-se da perseguição de Valeriano e de como a longa paz que lhe seguira fora apenas o prelúdio de piores condições sob Diocleciano e Galério. Aconteceu, porém, que, desta vez, eles não iam ser enganados, pois a perseguição de Maximino no Oriente cessou com a sua morte em 313, e, embora Licínio mais tarde se tornasse perseguidor, por sua própria conta, o seu companheiro Constantino jamais se desviou da sua ambição de eliminar todos os rivais e se tornar o único governante do mundo romano. Em 326, Licínio, o último adversário, foi estrangulado, e Constantino, que até ai concedera aos cristãos paridade com os pagãos, declarava-se agora abertamente a seu favor. Desde a morte do pai, Constantino, dezessete anos antes, Constantino havia manipulado os acontecimentos para servir os seus próprios fins. Ele tinha, literalmente, e na sua própria pessoa, feito história. Agora como incontestável senhor do império, estava no seu poder inaugurar uma nova era. E fê-lo, tanto simbolicamente como de fato, quando em 11 de maio de 330 consagrou a sua nova capital nas margens do Bósforo.
Os motivos para a sua decisão eram políticos e religiosos. A tetrarquia estava morta, e das cidades provinciais de Tréveros, Milão, Sirmião, e Nicomédia, que tinham servido Diocleciano e os colegas como quartéis, nenhuma tinha categoria suficiente para ser a capital administrativa de um império unificado, sem falar já de um imperador como Constantino. Assim, a questão de Roma poder outra vez representar este papel histórico era urgente. A velha capital tinha um prestigio sem rival, mas também significava o passado com o qual Constantino desejava romper por completo. Não queria introduzir nova política e nova religião numa cidade tradicionalmente opostas a mudanças e cujos cidadãos mais influentes eram defensores firmes da velha ordem pagã. Para mais, desde os dias de Diocleciano, o centro político tinha-se deslocado para o leste, e o caráter do próprio principado alterara-se para se tornar algo semelhante a um despotismo oriental. Os cristãos, em quem o imperador se apoiava mais fortemente, também eram muito mais numerosos nas províncias orientais do que no Ocidente. Estas considerações bastavam para sugerir uma transferência da sede do governo, de Roma para o Oriente. De fato, havia também boas razões militares, e estas, provavelmente, influenciaram a escolha do imperador.

Constantinopla, no ponto em que a Europa se encontra com a Ásia, ocupa um promontório triangular, limitado a norte pela ponta Doirada, a sul pelo mar de Mármara, e pelos seus muros a ocidente, do lado de terra. A cidade era, pois, exepcionalmente forte por natureza, mas em 330 havia ainda outra razão para a sua preferência. O imperador estava a enfrentar uma dupla ameaça à sua segurança, dos Sassânidas na fronteira oriental e dos Godos na linha do Danúbio. Em Constantinopla, um imperador estava muito mais bem colocado do que em Roma para enfrentar tal ameaça. (pg. 100-101)

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