BLOCH, Raymond; Os Etruscos. Lisboa: verbo, 1970

Rogério Vial

Resenha: Este livro é um apanhado que estuda o povo Etrusco na península itálica. O volume trata de vários aspectos desta civilização que habitou a Toscana, deste sua provável origem até sua arte deixada como vestígio arqueológico. Não somente isso, os próprios estudos relacionados a esta população também são levantados, com suas carências, erros e acertos durante as pesquisas.

Inicialmente o autor evidencia e “etruscologia”, em seus diferentes estágios. Esta “história da etruscologia” mostra pontos importantes da analise dos diferentes pesquisadores. As carências e dificuldades são abordadas como uma forma de pesquisa que se dava mais ao “amor aos etruscos” e não por pesquisas de historiadores ou mesmos arqueólogos ditos “profissionais”. Este tipo de pesquisa, conforme o autor levou a interpretação errônea de algumas descobertas na área em que eles viviam, e isso lançava elementos romanos ou gregos sob um olhar de cultura etrusca.

A arte, a religião e a literatura, também são abordadas neste trabalho. Quanto a arte, para o autor, é indiscutível o estilo e as formas sofisticadas de representação de cenas cotidianas e de religiosidade. Elementos e aspectos próprios são bastante encontrados, porém as maiores descobertas são na área funeral deste povo. Dá-se a entender que a religião e a arte se ligam por este motivo mas isso é parcial, pois afrescos e outros vestígios são muito pouco encontrados fora dos túmulos. A própria literatura caminha nesta direção, mas não é unânime conforme Bloch, pois escritos encontrados registram as mais diversas facetas da vida cotidiana dos etruscos.

Uma das perdas colocadas pelo autor é a língua falada deste povo, pois conforme ele deve ter desaparecido por volta de dois mil anos, justamente quando Roma mantinha a dominação da região onde os etruscos viviam.

Porém o que mais nos chamou atenção neste trabalho foi a busca de vários historiadores em encontrar um local de origem para o povo etrusco. Algumas hipóteses foram lançadas por diversos historiadores na direção de que os etruscos eram um povo proveniente das migrações indo-européias. Outros defendiam a tese de que eles eram povos itálicos do norte que adentraram na península itálica. Mas o autor se posiciona contrário a essa possibilidade e usa citações de Heródoto, entre outros, que relaciona os etruscos a um povo proveniente do planalto da Ásia Menor. Estes poderiam ser parentes dos Tirrénios de Tirra ou dos Lídios. Que migraram através do Mar Mediterrâneo até as costas italianas a mais de quatro milênios. Usa costumes e praticas da sociedade etrusca, como a situação “privilegiada” da mulher etrusca frente às sociedades gregas e romanas, por exemplo. Situação esta que se assemelha com Creta e Micenas. Mesmo assim o autor não se define por uma das alternativas, pois descreve ser difícil “provar” de onde vieram os etruscos.

Podemos concluir que esta obra, mesmo escrita a quase quarenta anos, é um excelente trabalho sobre a história do povo etrusco. A obra é rica em fotografias que apresentam ao estudante estilos etruscos resgatados por descobertas arqueológicas. Também a obra se destaca quando visualizamos que Roma absorve quase que na sua totalidade os trabalhos voltados a Itália neste recorte temporal. Portanto este livro é de extrema importância na analise de sociedades próximas a Roma que acabaram por ser engolidas pelo império.


Trecho do livro

Seria demasiado longo enumerar todos os costumes etruscos, crenças religiosas e técnicas artísticas que têm sido, frequentemente e acertadamente, ligadas com o Oriente. Basta-nos relembrar somente os fatos mais característicos. A posição que a mulher ocupava entre os Etruscos era privilegiada e sem nada de comum com a condição humilde e subordinada da mulher grega. Isto é um indicio de uma civilização que também observamos na estrutura social de Creta e Micenas. Lá, como na Etrúria, a mulher assiste aos espetáculos, as representações, aos jogos e não vive enclausurada nas salas tranqüilas do gineceu helênico. A mulher etrusca participa dos banquetes ao lado do marido e os afrescos etruscos frequentemente ilustram o seu hábito de virem reclinar-se a mesa do banquete junto ao dono da casa. Este costume inclusivamente fez com que ela fosse erradamente acusada de imoralidade pelos Gregos e depois pelos Romanos. Há inscrições que confirmam o estatuto de igualdade, de que parecia gozar a mulher etrusca. Frequentemente, o dedicante ou o defunto menciona ao lado do nome do pai, ou mesmo sem que este seja indicado, o nome da mãe. Ora, este numero de matronímicos está atestado na Anatólia, e especialmente na Lídia. Talvez possamos ver nele traços de um antigo matriarcado. (pg. 57-58)
Olhada por este prisma bem definido, a tradição da migração oriental parece-me conservar toda a sua validade. Só ela permite, efetivamente, explicar o nascimento, num momento preciso, de uma civilização em grande parte nova mas ligada por muitas características ao mundo creto-micénico e ao Próximo Oriente. Se a teoria da autoctonia fosse levada as suas conclusões lógicas, seria difícil compreender esta aparição súbita de uma atividade industrial e artística, assim como de crenças e ritos religiosos que nada no solo toscano, fazia até aí prever. Sugeriu-se que isso podia ter sido simplesmente uma espécie de despertar dos povos mediterrâneos primitivos – um despertar provocado pelo desenvolvimento das relações marítimas e comerciais entre o mediterrâneo Oriental e Ocidental, no inicio do século VII a.C. A causa invocada parece suficiente para explicar a natureza quase violenta do despertar cultural no seio de uma Itália cuja a civilização estava ainda numa fase atrasada e primitiva em bastantes aspectos.
Bem entendido, a migração no pode ser fixada, como Heródoto pretendia, entre 1500 e 1000 a.C. A Itália não entra senão tardiamente na história. A Idade do Bronze prolonga-se por toda a península até cerca de 800 anos antes de nossa era. É apenas no século VIII a.C. que se situam dois fatos importância considerável para a história da Itália antiga e, por conseqüência, de todo o Ocidente: cerca de 750, a chegada dos primeiros colonos gregos as costas do sul da península e da Sicília e, por volta de 700, segundo os testemunhos seguros da arqueologia, a eclosão da civilização etrusca na Toscânia.
Assim, no centro e no sul da Itália, dois vastos focos de civilização desenvolvem-se quase simultaneamente e ambos contribuem para o despertar da península do seu longo letargo. Não tinha havido previamente no seu solo nada de comparável com as brilhantes civilizações do Médio Oriente – as do Egito e da Babilônia. O início da história etrusca marca, justamente com a chegada dos Helenos, este despertar. Quando descrevemos as vicissitudes do destino da antiga Toscânia, é esta aparição da Itália na História da humanidade que veremos reviver diante dos nossos olhos. (pg. 63-64)

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