GARRAFONI, Renata. Gladiadores na Roma Antiga: dos combates às paixões cotidianas. São Paulo: Annablume-Fapesp, 2005.

Nome do Aluno: Adreane Cavasin Ferreira

Resenha: Esta obra consiste em trazer ao leitor abordagens diferenciada sobre os combates de gladiadores do mundo antigo romano, mostrando aspectos da vida cotidiana no interior das classes camponesas.

Segundo estudos realizados conta-se que o primeiro combate de gladiadores na cidade de Roma foi realizado em 264 a.C em memória do falecido Iunius Brutus Pera. Mas há quem sustente a hipótese de que os combates teriam chegado aos romanos por meio dos etruscos. Entre as polêmicas sobre a origem dos combates há outros aspectos entre os especialistas que devem ser levados em conta: o caráter funerário, religioso e privado das primeiras lutas. Mais tarde ocorre a mudança de caráter privado para público no final do período republicano, isto é considerado como marco fundamental, haveria mudança e os combates de gladiadores passariam a ser um espetáculo de maiores proporções que as originais.

O estudo apresentado no livro é a partir dos governos de Augusto até Trajano, ao longo do I século de nossa era, período de expansão destes espetáculos. Foi também nesse período que ocorre a construção de um dos maiores símbolos romano: o Coliseu de Roma, com sua beleza arquitetônica e monumental marcando a grandeza do mundo grego. Sendo, portanto, local que estaria pré destinado para a diversão principalmente das classes populares. Realizar-se iam grandes espetáculos representação do poder de um Imperador, um jogo de violência e coragem, poder e derrota na busca de uma definição da identidade de um povo e um Império.

O debate inicial deste material, com uma ampla análise bibliográfica, na qual a autora critica as idéias de uma manobra política da elite para diversão da massa pobre e mantê-la afastada das decisões do Império, seu papel na constituição da identidade romana em oposição à bárbara, a importância dentro das festas religiosas e triunfos, a expressão do poder romano por meio das lutas entre gladiadores de diferentes etnias, a idéia de romanização aplicada aos combates. Além do mais, a violência tornou-se uma preocupação de estudo nos trabalhos de classicistas que se dedicaram a estudar a arena romana. (p.34-35).

Segundo a obra, os gladiadores eram homens com musculatura bem definida e raramente mulheres (prostitutas ou escravas), definidos algumas vezes como homens sem rosto, perdidos; que acaso provassem lutar com bravura poderia readquirir o status, de duas maneiras: pela morte ou vitória. Viviam ambiguamente, nos limites do heroísmo e criminalidade. Nota-se que os gladiadores estão inseridos em contextos religiosos, políticos, econômicos, militares e no cotidiano romano. Por outro lado, o combate de gladiadores não constituía um mero assassinato, mas uma luta baseada na difícil arte da esgrima. Os jogos serviam para manter a população ocupada e, ao mesmo tempo fornecia status a quem os havia proporcionado.

Portanto, numa visão que privilegia a função política dos espetáculos os gladiadores raramente são citados mesmo sendo os protagonistas dos combates, personagens centrais, são reduzidos a coadjuvantes, quando não esquecidos por completo. Da mesma maneira que os espectadores são transformados em um único coro de vozes nos anfiteatros dos gladiadores. A idéia de plebe ociosa, desinteressada pelo trabalho e amante dos espetáculos gerou uma consagrada expressão “o povo romano vivia de pão e circo”, referindo-se aos espectadores, o povo plebeu.
A autora para realização desta pesquisa utilizou-se de fontes escritas, fontes epigráficas, fontes arqueológicas entre outras, para maior compreensão estão listadas nas últimas páginas da obra, bem como o anexo de gravuras e pinturas que nos dão uma dimensão maior de seu fantástico trabalho.


Título do Trecho selecionado: “Sangue na areia”

Trecho: As ruínas da cidade Romana de Segóbriga localizada na Meseta Oriental espanhola (província de Cuenca, Comunidad Autónoma de Castilla - La), cerca de cento e quatro quilômetros de Madri, são, na verdade, um lugar de rara beleza. Cercada por plantações de trigo, o clima seco e ensolarado do verão produz um efeito que encanta aqueles que tiveram a oportunidade de presenciá-lo: a luz do sol, refletida nas plantações produz um tom dourado que ilumina cada trecho da antiga cidade dando uma tonalidade especial aos monumentos que ali permanecem. (p. 36)

Hoje em dia, passar em frente das ruínas destas estruturas, entrar, subir e sentar em suas arquibancadas ou percorrer seu subsolo e os diversos corredores onde se preparavam os espetáculos desperta os mais distintos sentimentos: incredulidade, medo, revolta, horror, tristeza, estranhamento, curiosidade e, por que não, profunda admiração pela bravura dos que ali lutaram, pereceram ou venceram e pela magnitude do monumento. Independe do sentimento, o fato é que em pleno século XXI ninguém permanece indiferente diante do Amphietheatrum Flavium, mais conhecido como Coliseu, ou da menor das arenas romanas.

Imaginar que milhares de homens, mulheres, crianças e idosos das mais diferentes etnias, condições sociais e status jurídico subiram as mesmas escadas e se acomodaram em seus respectivos lugares para assistir a um bom combate, a uma inesquecível caçada, a uma impressionante naumáquia, a execução de criminosos ou simplesmente para encontrar amigos e, até mesmo com um pouco de sorte, flertar é para nós, hoje, no mínimo diferente. Como vivemos em um mundo de pós-guerra no qual ainda estão presentes as feridas abertas pelo nazismo e fascismo, a violência, a ditadura, a pena de morte, os castigos físicos e, mais recentemente, o terrorismo, são questões que circulam nos meios de comunicação e os debates acerca dos direitos humanos sempre ocupam as páginas de jornal e revista, além de estarem constantemente nos noticiários da televisão. Em um momento histórico no qual a violência é questionada e tida como algo que deve ser denunciado e extirpado, em que a paz social é almejada e a proteção aos animais e a Natureza criam novos estilos de vida, pensar que, em uma época, centenas de homens e animais eram mortos nas arenas romanas causa um certo desconforto em nosso mundo contemporâneo. (p. 38)

O material administrado por estes homens e utilizado pelos gladiadores nos combates muitas vezes encontrava-se armazenado nos ludi imperiais. Estes ludi, em grande parte concentravam-se na região da Campânia, mas havia um situado em Roma (construído nas proximidades do Coliseu), outro em Praeneste e, também os que estavam fora da península Itálica como o de Barcino, Nîmes ou Alexandria. Como já destacamos no capítulo anterior, estas estruturas serviam, também, de apoio aos espetáculos, treinando gladiadores e hospedando lanistae.
Dentre os ludi conhecidos, o de Pompéia, na região da Campânia, é uma referência particular. Em um dos Ludi da cidade foram encontrados, durante escavações arqueológicas, diferentes tipo de armamentos utilizados pelos gladiadores nos combates (PESANDO, 2001: 193-195). Elmos de bronze ou ferro, desde os mais simples até os mais ricamente ornados com palmas, coroas e figuras mitológicas, com letras gravadas e distintos tipos de cristas desde a época Republicana até a erupção do Vesúvio (figura 15); proteção de ombro utilizados por retiarii decoradas com motivos marinhos (figura 16); escudos de bronze com figuras da Medusa cunhadas em seu centro para Espantar o inimigo e proteger aquele que o empunha (figura 17); proteções de braços em que encontramos esculpidas imagens de Atenas, Vênus ou figuras eróticas com caráter apotropaico (figura 18); proteção de pernas simples de thraex ou oplomachus, ou mais sofisticadas com figuras de deuses como Netuno, sátiros ou animais distintos como serpentes ou aves (figura 19), são apenas alguns dos exemplos da diversidade de cores, formas e símbolos que emanavam do centro da arena pompeiana. (p. 156-157)

Neste sentido, ao pensarmos a luta no centro do anfiteatro pompeiano consideramos que os símbolos das vestes poderiam produzir distintos significados, entre os próprios gladiadores de diferentes origens étnicas e sociais e os gladiadores e o público. (p. 160)

Assim, mais que restringir os combates de gladiadores como um fenômeno violento de imposição de um único ethos romano, preferimos argumentar que os símbolos que reluziam no centro das arenas poderiam ser resignificados, produzindo diferentes representações no imaginário das distintas camadas da população que viveu durante o início do Principado. (p.161)

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