DIAKOV, V. & KOVALEV, S. A Sociedade Primitiva. São Paulo: Global, 1982.

Emanueli Cristina Weber Stremlow

Resenha:
Em “A Sociedade Primitiva” os autores fazem uma análise sobre o nascimento, o desenvolvimento e a desagregação do regime comunitário primitivo, suas fontes de informações, os períodos da história dessa sociedade primitiva, o aparecimento do regime dos clãs e a formação das classes e do estado.

“O regime comunitário primitivo é uma fase universal da história da humanidade” (p.9). Isso quer dizer que todas as sociedades passaram por ela, esse regime existiu durante centenas de milhares de anos. A sociedade primitiva é uma ciência e tem por objeto as leis da evolução do regime comunitário primitivo e segundo os autores essas leis só poderão ser compreendidas através do materialismo dialético e histórico. (p.10)

Os fundadores do marxismo, Marx e Engels desenvolveram uma obra de síntese sobre a história da sociedade primitiva, tratava-se das leis fundamentais e da primeira história cientifica dessa sociedade. Mais tarde, essa ciência foi aprofundada por Lênin.

Quando se referem às fontes de informação, nos dizem que a escrita foi ignorada no regime comunitário e a partir disso a procura por outros tipos de vestígios foi à solução. Usa-se a Arqueologia e a Etnografia para encontrar e compreender os monumentos da cultura material. Explicam-nos os prós e os contras de utilizar esses dois ramos do saber histórico.

Os períodos da história são classificados primeiramente como três idades: a da pedra, a do bronze e a do ferro, pelo arqueólogo dinamarquês Ch. Thomsen. Logo cada uma dessas idades foi dividida por épocas: na idade da pedra distinguiu-se o Paleolítico (pedra antiga), o Mesolítico (pedra media) e o Neolítico (pedra nova) e os objetos encontrados se diferenciam pela maneira que a pedra era trabalhada e também pelo destino que era dado aos utensílios.

A época inicial da história primitiva é quando se completa a formação biológica do homem e essa época é chamada de Horda primitiva que sucede a do regime dos clãs, cujo apogeu é acompanhado pelo matriarcado, pela igualdade do homem e da mulher. Com o desenvolvimento das forças produtivas aparecem os primeiros germes de exploração e de propriedade privada, o matriarcado é substituído pelo patriarcado e a democracia dos clãs transforma-se em democracia militar, sendo esta uma preparação para a fundação do Estado. (p. 15)

É impossível saber com certeza quando começou e quando terminou cada período da pré-história, pois a cronologia absoluta de cada época é outra tarefa muito complicada e difícil.
No livro os autores nos levam a compreender a história de uma sociedade que diz respeito aos primeiros tempos, e seu estudo esclarece questões como a origem do homem, o nascimento da religião, das artes e das ciências e a formação das classes e do Estado. Diakov e Kovalev nos fazem viajar por algumas dezenas de séculos para nos mostrar o difícil caminho percorrido pela humanidade, como deixam claro na sua introdução.


Trecho Selecionado:

A religião primitiva

À parte as idéias corretas sobre o mundo, o homem tinha concepções errôneas, fantasistas, ou seja, crenças religiosas. Para explicar a origem da religião, E.B. Taylor, sábio inglês do século XIX, enunciou uma teoria idealista segundo a qual as crenças religiosas proviriam das meditações do homem primitivo. Á medida que refletia sobre os sonhos e a morte, o homem teria concluído que tinha um duplo, uma alma, capaz de deixar seu corpo, e teria depois estendido essa idéia a natureza, atribuindo almas ou espíritos também aos animais, às plantas e às pedras. Na realidade, a religião resulta não de meditações ociosas, mas da atividade produtiva do homem; em conseqüência de um desenvolvimento insuficiente da experiência e do pensamento humanos, tinha-se frequentemente idéias falsas em sua atitude em relação à natureza.

Sob o regime dos clãs, o homem julgava-se capaz de exercer um poder sobrenatural sobre a natureza, os animais e as plantas por meio de práticas mágicas, nascidas ao mesmo tempo crenças religiosas. Muitos povos, entre os quais os do Grande Norte da Rússia conservaram, até fins do século XIX, pantomimas imitando a caça. Os Itelmenos, por exemplo, preparavam, antes da caça à baleia, uma efígie do animal, feita de ervas, que se colocava nas costas de uma mulher. Esta rastejava à volta da casa, acometida pelas crianças que desfaziam a efígie . Isso tinha por função garantir o êxito da empresa. Os peles-vermelhas organizavam, antes da caça ao bisonte, danças que duravam vários dias seguidos, que deveriam agir sobre os animais, convencendo-os a deixar-se matar. As cenas de caça desenhadas nas cavernas do Paleolítico superior tinham também um significado mágico.

Nos ritos mais antigos figuram todos os gêneros de animais de caça. Gradualmente, à medida que o culto se desenvolve, escolhe-se, entre a massa dos animais (ou das plantas, para os que se ocupam da colheita), uma certa espécie pretensamente ligada ao clã. É o totem, e o clã é tido por seu descendente. Assim, o totemismo, sendo o culto do animal que se caça, liga-se a um processo de produção mal compreendido.

São conhecidas as idéias dos australianos, que imaginam que cada grupo econômico está aparentado com determinada espécie de animal ou de planta (ema, canguru, etc.) O rito essencial desse culto consiste em um dos anciães acariciar o ventre dos homens com uma pedra essencial, repetindo: “que a tua alimentação seja abundante!” Tratava-se, pois, inicialmente, de assegurar pela magia o êxito da atividade produtora.
Mas as crenças totêmicas encerram uma contradição que condicionou o seu desenvolvimento ulterior: o totem é alternadamente a principal presa do caçador e o antepassado coletivo do clã. Portanto, a caça ao totem é a caça a um antepassado e o assassínio do animal venerado compromete, forçosamente, o caçador. Esta dualidade aparece sobretudo no culto do urso, praticado pelos Evenks e por muitos outros povos caçadores da Sibéria, que fazem penitência e pedem perdão ao animal por o terem morto.

Outro elemento importante do culto no regime dos clãs é a idéia da “adivinha”, da mulher perita na arte da feitiçaria. Isso esta ligada á própria essência do clã matriarcal, onde as mulheres encarnam a união da coletividade, enquanto os homens pertencem a outro clã ou mesmo a vários clãs estranhos. A crença nas virtudes mágicas da mulher data do Paleolítico superior, como atestam as numerosas estatuetas femininas dessa época, descobertas na Europa e no Sul da Sibéria. Estas figurinhas não só simbolizam a feitiçaria própria das mulheres, como também o culto nascente da antepassada fundadora do clã.

Ao mesmo tempo, forma-se a crença nos “espíritos” ou “almas” que animam a natureza. É aquilo q que se chama o animismo. A alma, segundo as concepções primitivas, seria como um animal alerta, alojado em todas as coisas.

Os homens do Paleolítico superior tinham uma idéia muito confusa da morte: inicialmente não dissociavam o mundo social do “além”. O medo dos mortos só surgiu pouco a pouco, seguido dos mitos que visassem a aplacá-los, proteger deles os vivos.

Quando a agricultura e a criação de gado se desenvolvem, o totemismo, que tinha sido a religião fundamental na época de predomínio da caça e da coleta, é relegado para segundo plano por idéias muito mais complexas. A terra, força fecunda, torna-se objeto de um culto que, nas condições do matriarcado, se confunde com a veneração da antepassada: é o culto da terra mãe que tem por objetivo contribuir para a fertilidade do solo e que se materializa pela prática mágica da sua fecundação.

A evolução da economia e do pensamento incita o homem a diferenciar as forças da natureza, considerada até então como um todo. Confere-se importância particular ás forças cósmicas e aos fenômenos naturais: o sol, a chuva, etc., que asseguram a colheita e, assim, a própria existência da coletividade humana. Mesmo assim, o culto da natureza confunde-se muitas vezes com os vestígios do totemismo, o que da origem a imagens híbridas, como o sol-animal ou o sol-ave.
Por outro lado, a consolidação do regime dos clãs modifica o culto dos mortos. Os defuntos deixam de ser encarados como força hostil da qual é necessário desembaraçar-se o mais depressa possível; começa-se a vê-los como antepassados protetores. Isto se deve ao fato de o homem, tendo chegado a obter um certo domínio sobre a natureza, passar do culto do antepassado animal (totem) ao antepassado humano. È desta época que datam as lendas sobre a vitória do homem sobre os seus irmãos ­­­­­– aves e animais – e o antropomorfismo.
No culto da terra, das forças da natureza e dos antepassados, o papel principal é dado aos sacrifícios e á oração. A oração é a expressão direta de um desejo: pede-se aos espíritos, gado, filhos e uma boa colheita. O sacrifício inicial consiste em alimentar o espírito para ganhar a sua benevolência. A lenda ingênua dos índios Chippeways conta que o sol, quando tem fome, atira uma pedra a um lindo rapazinho e faz com que ele adoeça; não o curará enquanto não receber o sacrifício.

Deste modo, inicialmente, os ritos ligavam-se aos processos de produção e tinham por objetivo agir sobre a natureza através da feitiçaria. Ao mesmo tempo, era o reflexo fantasista das forças que dominavam os homens na sua vida cotidiana.

Julgando-se capazes de agir sobre a natureza pela magia para assegurar o êxito na caça, nas colheitas e na pesca, os homens só conseguiam, em suma, agravar a sua dependência em relação á natureza: a feitiçaria desviava sua atenção das verdadeiras necessidades, esgotava a sua energia criadora. A religião primitiva consagrava a impotência do homem perante a natureza, impotência essa da qual a religião era o próprio reflexo.

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