O Período Clássico no Grécia


O Período Clássico insere-se entre as datas em que tiveram lugar os assaltos persa e macedónico à Grécia, repelido o pri­meiro, vitorioso o segundo. Neste período, a originalidade grega expressou-se, para bem e para mal, da forma mais completa e característica, e algumas das suas últimas realizações perdura­ram. O nome “Clássico” está perfeitamente adequado.

Em 480 a. C. os Persas avançaram por terra e por mar ao longo da costa oriental da Grécia. Os Espartanos, que, eviden­temente, comandavam as forças gregas, não esboçaram qual­quer resistência séria além do istmo de Corinto, que era sufi­cientemente estreito para ser fortificado, e, depois de uma demora, curta mas custosa, na passagem das Termópilas, o exército persa prosseguiu para a Ática, recebendo a submissão de todos os estados gregos ao longo da estrada para o Peloponeso, com excepção de Mégara, Plateias e, significativamente, Atenas. Ainda que os Atenienses, depois, se vangloriassem sempre do seu orgulho pela independência grega, havia, como eles sabiam, muito pouco a perder com isso: já tinham provocado os Persas demasiado, juntando-se à revolta dos Jónios e, depois, com os de Plateias, derrotando uma força punitiva em Maratona. Assim, evacuaram a Ática e, sendo a primeira potência naval e a segunda militar entre os estados confederados, insistiram numa estra­tégia ofensiva e decidiram provocar uma batalha naval ao largo de Salamina. A vitória foi bastante para dar aos Gregos o comando do mar - contanto que os Atenienses não desertassem. Esta condição auxiliou os Espartanos a decidirem-se, no Verão seguinte, a arriscar uma campanha para além do istmo, do que resultou a batalha decisiva de Plateias. Os Persas, derrotados, partiram para a sua pátria, não sendo molestados pelos vitoriosos, que preferiam consagrar-se a libertar os seus compa­nheiros gregos, ao longo do Egeu. Os Espartanos eram ainda os comandantes, mas, como a sua conduta, por vezes, era tíbia, se não pior, em 478 a. C. muitos dos gregos orientais e insula­res convidaram Atenas a chefiá-los na luta pela liberdade e para a protecção contra a Pérsia - e assim se fundou o imperialismo ateniense. Os aliados forneciam contingentes fixos às forças da liga, ou, como a maior parte deles preferiu, pagavam em dinheiro o equivalente respectivo. Atenas, em pouco tempo, ficou com a completa superintendência da orientação política e da acção, acabando, gradualmente, por tratar os aliados como vassalos. O resultado foi a Grécia e o Egeu - com algumas importantes excepções, como a da Tessália - dividirem-se em dois blocos. A Liga do Peloponeso, dirigida por Esparta, era forte em terra, preocupava-se com a agricultura, e tinha um regime oligárquico; a Aliança Ateniense, baseada no poder naval, era mais comer­cial e democrática. Esta divisão oferecia os seus riscos. Corinto, especialmente, cidade comercial muito importante, permaneceu do lado espartano; embora Atenas estivesse em ligação, por muralhas, com o seu porto, a Ática ficou a descoberto para uma, invasão por terra; contudo, os Atenienses acharam que o imperialismo compensava (como a sua Acrópole ainda o mostra).

Duvidava-se que a guerra viesse, o que é certo é que veio. Cerca de 450 a. c., Atenas, por meios vários, aliou-se com Mégara, Beócia e até com Aqueia, mas, por alturas de 445, este império terrestre estava já destruído. O segundo e mais amplo conflito - a Guerra do Peloponeso - começou em 431, depois de Atenas ter atacado os interesses de Corinto e Mégara. Poucas guerras se conhecem melhor do que esta, graças à análise, viva e penetrante, que nos deixou Tucídides, historiador e político contemporâneo. Em geral, os Espartanos eram muito prudentes e os Atenienses muito audaciosos, mas, de começo, nenhum dos lados causou importantes danos ao outro, e em 421 acordaram-se condições de paz que não foram, aliás, respeitadas. Dois anos mais tarde, Atenas, em ligação com Argos, tentou uma ofensiva no Peloponeso. Quando falhou, o seu imediato plano grandioso foi estender o império para o Ocidente, conquistando Siracusa e a Sicília (415-413 a. c.). Esta tentativa esteve quase a triunfar, mas, derrotada afinal, Atenas perdeu a melhor parte da sua esqua­dra e do seu exército. Era quase o fim; os Espartanos tinham já uma base permanente na Ática e reuniram agora navios e inci­taram os aliados de Atenas à revolta. Os Atenienses, porém, reconstituíram-se ainda, e os Espartanos tiveram de aceitar o apoio e as condições persas, antes de surpreenderem a última esquadra ateniense na costa e poderem levar a fome a Atenas até que esta se rendesse. Mas só em 404 a. C. Esparta ficou vitoriosa.

Os Espartanos estavam decididos a garantir a paz entre os Gregos, mas contavam para isso só consigo. Assim, não destruí­ram Atenas (como os costumes de guerra permitiam), nem mataram ou escravizaram os Atenienses, talvez com medo de que, sem um adversário na vizinhança, os Beócios se tornassem demasiado independentes; arrebataram o Império Ateniense, instalaram os seus próprios governadores e guarnições nas cida­des que libertaram e elevaram os impostos. Depois, aproveitando a marcha dos Dez Mil de Xenofonte através do Império Persa, ocuparam a Ásia Menor para libertar as cidades gregas (antes protegidas por Atenas) e para pilhagens fáceis. Os Persas ripos­taram, recrutando mercenários gregos para os seus exércitos e subsidiando os estados gregos para atacarem noutros pontos. Desta forma, em 387 a. C. os Espartanos cederam à Pérsia todo o continente asiático e concentraram-se na restauração da ordem na Grécia. Finalmente, em 371, enviaram um exército à Beócia para humilhar Tebas, que era a última recalcitrante, mas os Tebanos, que tinham aprendido e praticado tácticas novas, ganha­ram uma vitória concludente em Leuctras e invadiram, depois, o Peloponeso para libertar os Messénios e estabelecer uma fede­ração mais poderosa na Arcádia. Com esta súbita catástrofe, o poder de Esparta foi quebrado; a lenda da sua invenaibilidade tinha desaparecido e então novos vizinhos hostis se criaram. O domínio de Tebas durou uns dez anos. A seguir, manifesta­ram-se os Fócidas, apresando os tesouros de Delfos e alugando mercenários até que o dinheiro acabou. Depois, os Gregos acal­maram, passando a manobrar entre potências de segunda classe. Não porque o seu potencial militar total fosse inferior ao do século V, mas as forças estavam dispersas e os novos métodos profis­sionais da arte da guerra tornavam insuficientes as velhas milí­cias das cidades.

Entretanto, no Norte, a Macedónia ia-se tornando cada vez mais perigosa. Os Macedónios, povo extraordinàriamente homo­géneo, tinham tido, até então, uma organização muito incipiente para que os seus efetivos pudessem ser suficientes. Em 359 a. c., porém, Filipe II herdou o poder real. Filipe era um orga­nizador, um general e um diplomata de capacidade e paciência invulgares. Em primeiro lugar, tratou de consolidar o seu pró­prio reino; depois, aproveitando as oportunidades, anexou, com firmeza, a Tessália (352 a. C.), a Trácia (342 a. C.) e todas as colónias gregas adjacentes que pôde. Os Atenienses, cujo abas­tecimento de cereais requeria o domínio dos estreitos que con­duziam ao mar Negro, foram o primeiro estado grego, distante, a dar o alarme, mas nem mesmo eles acreditavam que a Mace­dónia se tornasse, a não ser temporàriamente, o poder domi­nante. Pouco se alteraria, de resto, se o tivessem pensado; Filipe tinha aliados na maior parte dos estados gregos e, a menos que houvesse alguma mudança milagrosa no seu modo de sentir, mais cedo ou mais tarde, a Grécia estaria condenada a ser vencida. O fim chegou em 338 a. c., quando Filipe, com o jovem Alexandre, esmagou os Tebanos e os Atenienses na Batalha de Queroneia. O resto da Grécia aceitou o veredicto e no Congresso de Corinto recebeu as condições macedónicas de paz e unidade. Dois anos mais tarde, Filipe foi assassinado, e seu filho, Alexandre, o Grande, sucedeu-lhe. Mas a velha ordem, ou desordem, tinha acabado. As cidades-estados da Grécia, ou algumas delas, rebelaram-se imediatamente, mas sem qualquer proveito, conser­vando-se raivosamente impotentes durante a conquista do Oriente e reconhecendo-se militar e politicamente obsoletas num mundo de grandes impérios.

O que sabemos do Período Clássico vem-nos, em primeiro lugar, pela literatura e, depois, pelas inscrições, campo da arqueo­logia que tem a sua classe especial de estudiosos - os epigrafistas. Estas fontes, no que respeita a Atenas, são completas. Os documen­tos arqueológicos vulgares não são de extraordinária importân­cia, excepto, é evidente, para as artes, arquitectura e tecnologia e também para alguns pormenores da vida doméstica. As datas são muitas e de confiança.

Política

Os principais condutores da política, nos séculos V e IV, assentavam na segurança e no lucro material, algumas vezes disfarçado, outras vezes cinicamente admitido, mas demasiadas vezes oportunista e imprevidente. Entre as formas de governo, a tirania deixara de ter importância - excepto na Sicília - e a escolha oscilava entre a oligarquia e a democracia, represen­tadas principalmente por Esparta e Atenas. Como regra, os pro­prietários de latifúndios acreditavam na oligarquia, os agricul­tores e artífices, com estatuto hoplita, preferiam uma demo­cracia moderada, que excluía as classes inferiores, e os pobres, especialmente nas cidades, eram democráticos radicais. A influên­cia política destes grupos estava na razão directa da sua importância militar. Na Tessália, onde a cavalaria continuava a ser a arma principal, e em Esparta, onde os cidadãos no pleno gozo dos seus direitos eram poucos mas invulgares soldados de infantaria, persistia uma oligarquia rígida. Atenas, entretanto, defendia a sua esquadra, e como quem remava eram os cidadãos pobres, estes tinhas fortes razões para reclamar a igualdade política.

A luta pelo poder dentro de um estado era, muitas vezes, bárbara e selvagem, com o massacre de adversários políticos e com tremendas intrigas junto dos governos de outros estados. Mesmo, em Esparta, se descobriram várias conspirações perigosas e, em Atenas, houve vários assassínios, e, no fim do século V, houve dois intervalos, sangrentos, de oligarquia. Isto não foi inteiramente devido a um declínio da moralidade pública, desde o período dos tiranos; o número dos políticos é que tinha aumentado.

O desejo de ser independente era inerente às cidades-estados gregas e levou, designadamente, no século IV, a rápidas e impre­visíveis trocas de amizades e inimizades. Mas como as potências maiores continuavam a ser agressivas, algumas das comunidades ameaçadas reconheceram a impossibilidade de completa auto­nomia. Por isso, nalguns casos, vários estados independentes fundiram-se pacificamente, como sucedeu com a nova cidade de Rodes, em 408 a. c., e até se verificaram algumas tentativas para uniões do tipo federal. Muitas vezes, também, o interesse partidário ou pessoal excedeu, em valor, o interesse patriótico. Desde que Esparta favorecia os governos oligárquicos e Atenas as democracias, era lógico que, enquanto esses estados se mantivessem fortes, os partidos democráticos colaborassem com Atenas e os seus adversários com Esparta. Esta simpatia, mais calculista que ideológica, constituía um importante factor para a estabi­lidade do Império Ateniense: todas as revoltas, tanto quanto sabemos, foram de inspiração e organização oligárquica e os demo­cráticos mantiveram-se leais, mesmo depois do desastre de Sira­cusa. Mais tarde, Filipe da Macedónia começou a dispor de um número crescente de adeptos na Grécia, uns por suborno, mas outros porque viam nele a única esperança da paz. Quanto aos exilados, era quase um descrédito para eles não oferecerem os seus serviços aos inimigos do seu estado nativo. Houve, naturalmente, outros gregos cujas opiniões políticas eram mais liberais e desin­teressadas - atitude perigosa quando os extremistas estão no poder -, mas esses só se manifestavam também em limites muito estreitos. Por tudo isso, uma confederação voluntária de todos os estados gregos era impraticável e um estado nacional ultrapas­sava o alcance da sua imaginação. Mesmo a concessão de cidadania aos estrangeiros e escravos, quaisquer que tivessem sido os seus serviços, era muito excepcional, ainda mais, talvez, do que no Período Arcaico.

No país e no estrangeiro, a política das oligarquias e das democracias moderadas era conservadora e, como tal, preocupa­va-se, principalmente, com a sua conservação; mas as democracias radicais, cujos adeptos eram mais pobres e tinham menos que perder, estimulavam os projetos de expansão e de emprego, como foi reconhecido por escritores antigos, ainda que a sua posição social os tornasse, na sua maior parte, hostis ou pouco simpatizantes com tais opiniões. Não é honesto negar alguma relação entre. as extraordinárias realizações culturais de Atenas e a sua constituição radicalmente democrática. A demonstrar a sua eficiência e o êxito material, dispomos de um testemunho amargamente ingénuo na Constituição de Atenas, escrita cerca de 430 a. C. por qualquer oligarca anónimo, e conservado entre os trabalhos de Xenofonte; no fim de contas, a verdade é que havia agora mais cidadãos a partilhar nos lucros do governo.

População

Desde a Idade do Ferro recente até ao Período Clássico, a população da Grécia cresceu, não obstante a sua taxa de mor­talidade ser alta. A mortalidade adulta, segundo alguns tes­temunhos do século IV, era grande em confronto com os padrões modernos. De 100 indivíduos do sexo masculino com 20 anos, 70 poderiam viver até aos 30, 25 até aos 60 e 70 ou pouco mais até aos 80. Em tempo de guerra, a perda de jovens deveria ser maior. Para as mulheres novas, o parto constituía um risco constante e muito sério, tanto que, não obstante a idade própria para o primeiro casamento ser de 30 . a 40 anos para os homens· e até 20 para as mulheres (o que significa que as noivas em perspectiva excediam em número os solteiros casáveis na proporção mínima de 3 para 2), não temos qualquer prova de que existissem muitas solteiras idosas. Como as mulheres se casavam muito cedo, a taxa de natalidade era elevada e a população tendia para o seu crescimento. O excedente tinha de ser, de algum modo, absorvido ou transferido. A colonização interna intensi­ficada tornava-se, a partir de certo limite, impraticável, porque os métodos utilizados na agricultura eram os mesmos. A emigra­ção tornou-se frequente depois dos meados do século VIII, admitindo-se que afrouxou no princípio do VI, mas, no Oriente, os soldados mercenários eram sempre bem-vindos e, por essa altura, as cidades em via de desenvolvimento procuravam atrair colonos de outros estados" Esta expansão urbana, provocada pelo comércio e pela indústria, só vagamente pode ser apreendida; a prova mais evidente está na localização dos cemitérios - pois, em geral, o enterro fazia-se fora dos limites da cidade, embora muitas vezes sepulturas recentes ficassem dentro do círculo das muralhas antigas. Havia também o abandono das crianças, para morrerem, como gatos - prática que era legal e tema para muitos divertimentos e mítos -, mas não temos qualquer noção exata de quando isso era prática corrente, até quando e onde. Mas, em geral, a população reage ràpidamente à prosperidade, como se vê do número de cidadãos atenienses, nos séculos V e IV, quando a cidadania estava rigorosamente limitada aos filhos dos Cidadãos.

Os Gregos não acreditavam nas teorias do nacionalismo demo­gráfico. Só em tempos muito recentes é que a população da Grécia voltou a ser tão grande como a das cidades-estados dos séculos V e IV, e, todavia, esses estados eram pequenos. Alguns cômputos, muito imperfeitos aliás, podem ser estabelecidos através dos recru­tamentos militares e por outras sugestões. Atenas, com a sua região rural, tinha cerca de 30 000 cidadãos masculinos em 480 a. C., a este número pode juntar-se, grosso modo, três vezes mais de mulheres e crianças; os residentes estrangeiros e os escravos eram relativamente poucos. Os cidadãos masculinos, 50 anos mais tarde, andavam à volta dos 40 000; os residentes estran­geiros talvez fossem metade desse número, e os escravos, para arriscar um cálculo, 60 000: isto faz um total de algumas 300 000 pessoas e a maior parte desse aumento deve ter tido lugar nas cidades principais - os estrangeiros, em particular, não podiam ser donos de terras. Foi o máximo: em 321 a. C. o número dos cidadãos masculinos tinha caído para 21 000 e o dos estrangeiros para 10 000. Não devemos, contudo, considerar estas populações demográficas de Atenas como típicas, visto que no século V a sua prosperidade cresceu extraordinàriamente, como resultado do imperialismo triunfante. A população de Corinto (que tinha muito menos território) dificilmente ultrapassava os 90000, e Tebas talvez 50000. Em Esparta, os cidadãos com plenos direi­tos eram sempre uma minoria, estatisticamente insignificante: deveriam atingir cerca de 8000 em 480 a. c., mas um século mais tarde eram só 1500. A maior parte dos estados tinha ainda uma população muito mais pequena: Priena, a julgar pelo tamanho da nova cidade estabelecida pouco depois dos meados dos séculos IV, apenas albergava umas 4000 pessoas, mas possuía todos os edi­fícios públicos e instituições normais de uma comunidade inde­pendente. Uma comparação dos números dos censos dos séculos XIX e princípios do XX, quando a colonização agrícola e os métodos ainda se não tinham aperfeiçoado sobre os da Antigui­dade, dava idéia de que o total da população da Grécia européia, incluindo os escravos, podia andar à volta de 3 000 000 com, talvez, outro tanto nas colônias. E isto deve ser recordado quando pensamos nos sistemas políticos, na administração, na guerra e, até, nas realizações culturais dos Gregos.

Finanças Públicas e Administração

A necessidade de rendimentos variava entre os estados con­forme o seu desenvolvimento económico, a sua área, as suas ambi­ções militares e o seu sistema político. As despesas ordinárias eram constituídas, pelas da defesa, conservação dos edifícios públicos, festividades, alguns serviços como o do fornecimento de água e, especialmente nas democracias, os pagamentos para obrigações de carácter oficial e, até, rninoração da pobreza. As principais fontes de rendimentos eram as taxas incidentes sobre os mercados e portos, vendas de terrenos públicos, multas e contribuições, voluntárias ou forçadas. Não era costume cons­tituírem-se quaisquer reservas para emergências (das quais a guerra era a mais frequente), mas obtinham-se recursos extras, aumentando as taxas já existentes ou aplicando um imposto sobre a propriedade; um imposto de rendimento seria provavelmente considerado muito difícil de determinar e talvez não fosse equitativo.

Nos estados de maior auto-suficiência agrícola, os compromissos públicos eram poucos e os cidadãos eram obrigados a prestar serviço militar e outros, à sua própria custa. Mas, quando se tratava de uma grande cidade, especialmente se ela tinha interesses ultramarinos, essa simplicidade rústica tornava-se impossível. Atenas, com a sua política imperial, é o melhor exemplo, e, graças às inscrições e às obras dos escritores antigos, sabe-se bastante sobre este ponto. Aqui, à volta de 430 a. C., o rendimento público era de, aproximadamente, 1000 talentos por ano (um talento valia 6000 dracmas e cada dracma, nesse tempo, correspondia ao salário, por dia, de um operário espe­cializado): desta soma, cerca de três quintos provinham dos «aliados», em tributos e diversos pagamentos, e o restante era· obtido pela taxa de porto, de 2 % sobre todas as importações e exportações, por um imposto sobre os mercados, de 1 % por renda das propriedades do estado (incluindo as minas de prata de Láurio), e por outras pequenas contribuições, como as lan­çadas sobre os residentes estrangeiros. As despesas, em tempo de paz, montavam a 250 talentos na marinha, para os salários e novas construções navais, a cavalaria custava 40 talentos e o exército, menos; outras verbas incluíam a conservação dos edi­fícios públicos, as gratificações (na maior parte das vezes, oca­sionais) a cerca de 8000 cidadãos pelo tempo gasto em servi­ços públicos, a compra e o sustento de alguns centos de escravos como servidores da administração pública e a redução da indi­gência. Mas tudo isto ainda deixava um grande saldo positivo, parte do qual era empregado em novos edifícios (designadamente na Acrópole) e outra parte para uma reserva de guerra. Além de tudo isto, há que referir que o custo da conservação dos navios de guerra, excluindo as tripulações, e muitas das despesas dos festivais públicos, tais como os da produção de tragédias, eram atribuídas aos cidadãos ricos, segundo uma espécie de escala. No século IV, as gratificações e dádivas tornaram-se muito maiores, se bem que os tributos tivessem desaparecido. Mas, apesar das queixas dos ricos, o estado manteve-se solvente e algumas das vítimas suportavam as suas obrigações com cara alegre. A guerra, é evidente, elevou muito as despesas, em parte porque as tropas atenienses eram pagas e em parte pelas campanhas no ultramar: o cerco de Potideia, na Calcídica, que durou dois anos (432-430 a. C.), custou 2000 talentos.

As necessidades administrativas dependiam do tamanho, interesse e sistema político do estado, ainda que fosse normal haver funcionários de nomeação anual, cujas contas eram exami­nadas por peritos quando terminavam a sua comissão. Nas oli­garquias, estes funcionários eram, por princípio, homens de influência e experiência. Mas a teoria da democracia radical de que todos os cidadãos eram iguais teve, como corolário, que todos ou o maior número possível de cidadãos deveriam igual­mente ser funcionários. Em Atenas, os dez generais, os mais altos magistrados para os assuntos tanto de natureza civil como militar, eram eleitos; mas havia mais do que 1000 funcionários, geralmente agrupados em delegações de dez, que eram escolhidos à sorte, assim como também o eram os 6000 jurados utilizáveis nas questões judiciais de natureza pública ou privada, e os 500 conselheiros que, por escala, preparavam os trabalhos· a serem apresentados à assembléia suprema dos cidadãos, superintendiam na administração e nas finanças e tomavam decisões preliminares em problemas de urgente resolução. E o sistema funcionou.

Os serviços públicos também variavam de estado para estado. Os mais importantes eram os da defesa e da justiça - em Atenas, havia até funcionários árbitros, mas não houve acusação pública. Os santuários eram muitas vezes beneficiados, com doações, mas algumas das festividades tinham de ser subsidiadas. Nas cidades, os mercados tomavam-se necessários e, particular­mente em Atenas, o comércio dos cereais estava regulado. Não se fazia muito caso de estradas nem de polícia e ainda menos de esgotos, Por volta do século VI, as cidades começaram a intro­duzir condutas para a água, para fontes públicas a instalar em certas casas, e muitos donos dessas casas destruíram os próprios poços. No século V começaram a aparecer os balneários públicos, ainda que o seu apetrechamento fosse simples. Os ginásios, para exercícios ao ar livre, também erani instalados pelo estado e o roubo das roupas era, em Atenas, considerado como um dos mais sérios delitos criminais. As escolas eram poucas e, normal­mente, particulares, embora a atuação da democracia ateniense implicasse que os cidadãos fossem letrados. Muitos estados contrataram médicos públicos para tratar os cidadãos, os escravos e os visitantes, sem qualquer paga. Não se conhecia o contrato de seguro, se bem que os órfãos de guerra fossem, em geral, cuidados ou protegidos oficialmente, e, algumas vezes, também, prestavam-se socorros aos pobres; mas a família é que continuava a ser o instrumento usual da caridade.

Sociedade

A vida social não mudou muito no Período Clássico, ainda que, em muitas cidades, a prosperidade tivesse aumentado. Conhecemos alguns pormenores. As casas dos cidadãos impor­tantes, a julgar pelas escavações de Olinto, na Calcídica, e de Priena, na 1ónia, tomaram-se mais cuidadas e regulares, mas não aparatosas. A mobília consistia em pouco mais do que algumas mesas pequenas, cadeiras e bancos, camas e canapés, cómodas, uma grande bacia para lavagens e trém de cozinha. Os vestuários eram completamente uniformes para todas as classes e até para os escravos. Em geral, os jovens e os operá­rios usavam um vestido curto; as mulheres e os homens velhos, uma veste comprida e, como protecção, punham capotes e xales. Os materiais eram a lã e o linho. Os homens tinham deixado de usar jóias. A alimentação normal, agora, era simples e ligeira, mesmo nas classes mais elevadas: consistia, principalmente, de pão, queijo, azeitonas, vegetais, sopas, ovos, frutas, mel e peixe (muitas vezes salgado); só se comia carne em ocasiões festivas. A bebida normal era o vinho misturado com água na proporção de dois para três. A condição das mulheres, se alguma tinham, tor­nou-se pior. «A melhor mulher», disse Péricles, «é aquela de quem os homens dizem o mínimo, bom ou mal. Péricles, toda­via, era um ateniense invulgarmente ilustrado, tendo vivido feliz com a brilhante cortesã Aspásia. Em Atenas - e, provavelmente, o costume era geral -, uma mulher solteira, «qualquer que fosse a sua idade», com todos os seus bens, ficava à guarda do parente consangüíneo mais próximo, do sexo masculino; quando se casava, os bens passavam a ser administrados pelo seu marido, que, entretanto, não partilhava da respectiva pro­priedade. Esta medida, estabelecida para conservar a proprie­dade na família, proporcionava também uma certa garantia con­tra o divórcio, que era tão fácil para as mulheres como para os homens. O Oeconomicus, de Xenofonte, dá alguns conselhos elucidativos sobre a maneira de treinar uma jovem esposa nos seus deveres domésticos.

Até então, qualquer educação mais profunda era adquirida sem sistematização, segundo o gosto de cada um, mas, cerca dos meados do século V, os filósofos, especialmente no Ocidente, tinham já posto em termos didáeticos um bom número de conhe­cimentos e, em breve, alguns especialistas - conhecidos por «sofistas» - começaram a visitar as cidades ganhando a vida com a realização de conferências e dando lições de gramática, semântica e estilo e, como remate, ensinando a arte de falar efi­cientemente em público, o que era imprescindível na vida polí­tica grega. Outros temas importantes eram a política e a natu­reza do bem e do mal, se eram valores absolutos ou apenas con­vencionais. Cidadãos antiquados protestavam, alegando que tais estudos eram subversivos, e o certo é que, por vezes, a nova geração se revelou francamente pouco escrupulosa; mas talvez fosse a hipocrisia que, tanto como a moralidade, andasse disfarçada. No século IV, depois da reacção escandalosa do novo pro­cesso de ensino ter passado, outras escolas de filosofia se desen­volveram, dirigidas como se se tratasse de cursos, ainda que sem exames ou graus, e, nesse sistema, prosseguiram durante toda a Antiguidade, como equivalente das nossas universidades. Para poder assistir a esses cursos era preciso tempo e dinheiro, mas as classes mais pobres sempre iam aproveitando alguma coisa.

Ainda que os pobres radicais atacassem os ricos, não ousa­vam, contudo, criticar a sua conduta, pois esperavam ainda poder vir a fazer o mesmo. O ideal de vida desocupada imbuiu o pensa­mento político grego, e por isso os democráticos exigiam que os cidadãos fossem pagos pela prestação de deveres políticos e civis, ocupação preferida dos desocupados. Aquele que voluntària­mente negligenciasse tais deveres (ou prazeres) não só era demi­tido como deixava de poder voltar a ser nomeado.

Numa sociedade assim governada pelo conceito aristocrá­tico, a escravatura era tudo quanto havia de mais natural. Os escra­vos, ao contrário dos servos, não se tornaram numerosos até ao Período Clássico e, mesmo então, existiam só nas cidades mais comerciais. Embora alguns fossem gregos, aprisionados em guerra ou raptados, a principal fonte provinha dos povos estran­geiro mais primitivos, como os Trácios. Os escravos eram uti­lizados nos serviços domésticos de particulares, na indústria, na agricultura, nalguns serviços públicos e, na Atica, para o trabalho pesado das minas de prata. À parte os mineiros, os escravos eram tratados com humanidade; em Atenas, pelo menos, ainda que não tivessem quaisquer direitos, eram protegidos pela lei contra as crueldades violentas, sofriam de poucas restri­ções em público e tinham a possibilidade de serem libertos ou de obterem a sua alforria. Mas como o número de escravos aumentava e concorria assim com o trabalho livre, num mercado que não se expandia, a condição, quer dos trabalhadores livres quer dos escravos, agravou-se.

Religião

Dos filósofos do Período Clássico, alguns inclinavam-se para uma força inteligente suprema, que governava todo o Universo, não concediam aos deuses ortodoxos mais do que uma existência alegórica e acreditaram em padrões absolutos de bem e de mal. Outros eram agnósticos ou materialistas; duvidavam ou negavam mesmo a existência dos deuses e sustentavam que os padrões morais eram uma criação dos homens para corresponder às suas necessidades de ocasião. Nos fins do século V, estas teorias foram definidas pelos sofistas e tornaram-se tão suficientemente conhe­cidas que chegaram a constituir temas de brincadeiras popula­res. Havia, contudo, poucos atritos com a religião oficial, que se contentava com a obediência ao ritual, tão familiar e tão pouco exigente que até os filósofos mais radicais os admitiam como parte da rotina decente da vida. Portanto, e apesar de todos os ensinamentos monoteistizantes ou agnosticizantes, continuava a antiga devoção, como se evidencia não só nos inúmeros templos modernos; e dispendiosos, cuja edificação nem sempre pode ser justificada pelo orgulho cívico, mas também nas oferendas parti­culares e pequenos santuários e grutas sagradas. Entre os deuses ortodoxos, Dionísio, Afrodite e Eros eram os mais populares, se bem que não tanto quanto se possa inferir pela freqüência com que aparecem representados na cerâmica de figuras averme­lhadas; as religiões de mistério conquistavam adeptos e, no fim do século V, Asclépio surgia como deus pan-helénico. Asclépio (Esculápio) tinha muito poucos antecedentes mitológicos; o seu campo de acção era o restabelecimento dos doentes e a sua ética era profissional. O seu santuário mais importante situava-se próximo de Epidauro, e aí longas séries de inscrições de visitantes agradecidos testemunham a eficácia da fé e dos bons conselhos médicos. Os oráculos perderam a maior parte da sua influência política - Delfos, apesar de tudo, apoiou os Persas em 480 a. C-, mas continuaram a ser consultados sobre assuntos partibulares, e até Sócrates, que despendeu a maior parte do seu tempo a denun­ciar a hipocrisia, parece ter-se impressionado com uma decla­ração oracular de que era o mais sábio dos homens. Certos escri­tores modernos afirmam que a mera superstição aumentou nos fins do Período Clássico - em 413 a. C., a observação supers­ticiosa de um eclipse lunar custou a Atenas 40 000 homens na Sicí­lia -, mas isto talvez seja devido a ser mais completa a informação de que dispomos para este período do que para os tempos mais recuados; havia agora mais gregos e eram mais letrados.

Pensamento e Conhecimento

Os primeiros filósofos tinham-se interessado pela constituição da matéria. Próximo dos meados do século V, Parmé­nides, de Eleia, uma pequena e remota colônia da costa ocidental da Itália, estudou a alteração da matéria e aventou a proposição «o que é, é e não pode deixar de ser», e, inversamente, «o que não é, não é e não pode vir a existir. Daí concluía que as alterações e os espaços vazios são impossíveis, donde o seu universo esférico era homogéneo e imutável. Como esta doutrina, exposta no seu poema Verdade, não correspondia à evidência dos sentidos, é porque estes eram falíveis; todavia sentiu-se na obrigação de publicar um segundo poema, Opinião, explicando o universo aparente como constituído por fogo e negrume cerrado. O paradoxo da Verdade levou alguns pensadores a tentar descobrir nele algum sofisma e, por aí, se encaminharam para o estudo da lógica. Outros, desdenhando a filosofia, voltaram-se para temas concretos, como a gramática, ou para os estudos mais vendáveis, de teoria política e oratória: segundo o dogma corrente, não havia padrões absolu­tos - o que era direito, era-o por força de um costume e não por qualquer lei natural. Alguns físicos continuavam a meditar sobre o Universo tal como era apreendido pelos sentidos. Empédocles concluiu pela existência de quatro elementos na natureza - terra, ar, água e fogo, alternadamente atraídos e repelidos: entre a completa separação destes elementos e a sua completa mistura, diversas combinações foram ocorrendo e o universo actual seria uma delas. Para Anaxágora, os elementos eram de uma varie­dade infinita e combinados através de um impulso inicial dis­ferido por um espírito universal. Os “atomistas”, que se lhe segui­ram, são mais compreensíveis. Leucipo pensou em partículas homogéneas, diferindo, contudo, muito na forma, ordem e posi­ção, e num espaço vazio (afinal, por aí, «o que não é» é); no prin­cípio, essas partículas estavam separadas e caíam verticalmente, mas como as partículas mais pesadas caíam mais depressa do que as mais leves, colidiram e combinaram-se; as sensações seriam aquilo a que podemos chamar «reacções químicas», e, assim, subjectivas. Demócrito acrescentou que a alma é também formada por partículas, e, aplicando a sua teoria cosmológica à vida humana, concluiu que o objetivo desta deveria ser o prazer, mas mais o da alma do que o do corpo, visto que o prazer da alma é maior. Este materialismo, contudo, teve poucos adeptos até que, no princípio do Período Helenístico, Epicuro o adoptou para sua doutrina.

Até ao fim do século V, os filósofos trabalharam, mais ou menos isolados uns dos outros, nos vários pontos do mundo grego. Agora, Atenas tornava-se o centro do pensamento. Ao mesmo tempo o interesse passou dos problemas físicos para os metafísicos e éticos. O primeiro filósofo ateniense foi Sócrates, filho de um pedreiro, mas não dos mais pobres, visto que foi registado como hoplita. Sócrates, que sempre afirmou nada saber, especializou-se em argumentos e definições por pergunta e resposta e foi notavelmente brilhante na exposição de opiniões ilógicas. As suas conclusões positivas são menos exactas e até os seus continuadores discordam na sua interpretação. Acre­ditava na argumentação do concreto para o abstracto, que seria a forma pura da verdade; compreender esta verdade era útil, visto que o homem sé praticava erros se não soubesse fazer melhor, e saber o que era reto significava fazer o que era reto; assim, só o homem bom seria feliz. Com tudo isto, Sócrates era um cidadão consciencioso que não se esquivou às suas obriga­ções oficiais e militares. A sua execução, em 339 a. c., outorgou­-lhe uma coroa de mártir que ele não mereceu. Foi perseguido por corromper a mocidade - para se ser honesto, alguns dos seus discípulos foram grandes criminosos nas suas políticas - e, depois de ser condenado, era preciso fixar a pena: o acusador (um cidadão particular e não o estado) pediu a morte e a contra­proposta de Sócrates foi que lhe devia ser concedida mesa gra­tuita no município para o resto da sua vida.

O manto de Sócrates foi vestido diferentemente pelos seus discípulos. Os cínicos, por exemplo, aceitaram a premissa de que o conhecimento do que é reto seria a única felicidade; desta forma ignoraram os prazeres e, algumas vezes, até. as proprie­dades desta vida. Os cirenaicos sustentaram o ponto de vista oposto - que o homem feliz deve ser bom -, e cultivaram com imparcialidade todos os prazeres moderados. O mais influente dos discípulos de Sócrates, porém, foi Platão, moralista de espí­rito religioso, cuja escola, no Ginásio de Academo, em Atenas, nos deu a palavra «academia». Platão deixou uma longa série de trabalhos filosóficos, que revelam terem-se modificado a pouco e pouco as suas teorias. Resumindo, porém, o filósofo sustentava que os objetos materiais e os conceitos humanos eram reflexos de “Idéias” eternamente abstratas. Quando, por exemplo, vemos uma mesa, reconhecemo-la· como uma mesa. Assim deve existir um arquétipo “Ídeah” da mesa, do qual partilham todas as mesas que vemos. Assim, também, desde. que nós o reconhecemos - e a verdade é sempre extraída e não injetada -, a alma deve ter sido relacionada anteriormente com as “idéias” e depois, atra­vés da sua afinidade com elas, pode ser considerada como sendo, ela própria, também imortal. A felicidade, então consiste na contemplação da «idéia» do bom, e a educação deve ser orientada para esse fim. Mas o fim do homem pode também ser missionário, e Platão esboçou na República e nas Leis um estado modelo que (dado que as suas preferências pessoais iam para a oligarquia e para a autoridade) mostra alguma simpatia pelo regime espartano. Este estado deveria ser agrícola e limitado em tamanho; os cida­dãos seriam classificados, segundo a sua competência, em operá­rios, .soldados e governantes. Os homens e as mulheres teriam iguais direitos e deveres e a educação, bem como a actividade cultural e a conduta privada, seria regulada e fiscalizada rigoro­samente. Embora, porém, Platão tivesse sido conselheiro de um tirano, a sua teoria política não teve quaisquer efeitos práticos.

Aristóteles foi discípulo de Platão e tutor de Alexandre, o Grande, e fundou, depois, a sua própria escola (a Peripatética) em Atenas. Muitos dos seus trabalhos ainda sobrevivem, alguns apenas na forma de apontamentos de lições. Intelectualmente, Aristóteles era mais arguto e mais académico do que o seu professor e confiava mais na interpretação dos factos observados do que em regras gerais estabelecidas. As suas teorias física e metafí­sica basearam-se num raciocínio a priori, embora ele acreditasse na importância inicial dos objetos individuais; todas as coisas materiais - é a sua conclusão - eram produtos de quatro causas: a matéria (dividida nos quatro elementos, terra, água, ar e fogo), a forma (que, ao contrário da “ideia” de Platão, não existia por si), o agente (fosse ele natural, consciente ou acidental) e o propósito. Remotamente, sobreposto, estava Deus, que dera o impulso original à criação. Mas a lógica foi melhor servida por Aristóteles no seu Organon, exposição admirável de precisão e clareza. Preocupou-se também com os princípios da moral e descobriu uma nova posição ­a de que a virtude era o meio termo entre dois vícios; a coragem, por exemplo, é o meio termo entre a cobardia e a temeridade. Similarmente,. na política, depois de examinar a constituição de mais de 150 estados gregos, concluiu afirmando que o poder era usado melhor pela classe média e que a educação cívica era impra­ticável. Neste ponto, tem sido criticado por confinar o seu pensa­mento político à cidade-estado, no tempo em que Alexandre já tinha mostrado que esse tipo de organização era obsoleto; mas, na verdade, não possuía outro modelo com dados suficientes e as reduzidas cidades-estados do Período Helenístico eram, em ge­ral, dirigidas pela classe média. Na Poética examinou, entre outros temas, as tragédias existentes e definiu as características aparentes das várias espécies. A validade deste método foi, sem dúvida, bem sucedida, sobretudo na zoologia, em cujo campo a observação meticulosa e a classificação sistemática firmaram Aristóteles como pioneiro da ciência. Um estudo complementar de botânica foi levado a efeito pelo seu discípulo Teofrasto nos fins do século IV.

Na matemática registraram grandes progressos, especial­mente na geometria. Platão parece ter estabelecido o método da análise e considerava o estudo geométrico como parte indispen-
sável da educação. Euclides, que trabalhou no princípio do Período Helenístico, ultrapassou de muito as realizações dos seus anteces­sores do Período Clássico. Na aritmética, a situação dos Gregos era desvantajosa, por não terem qualquer série racional de sím­bolos ou sequer (até, pelo menos, ao século III a. C.) qualquer notação para zero. A astronomia preocupava-se principalmente com a medição do espaço e do tempo, esta com o intuito de aper­feiçoar o calendário. Alguns pensadores rejeitaram a conclusão de que o Sol girava à volta da Terra. Na rp.ecânica, alguns prin­cípios parece terem sido considerados. Já em Homero, a medi­cina não estava adstrita ao ramo eclesiástico e, no Período Arcaico, alguns médicos alcançaram grande reputação. No entanto, a sistematização dos estudos só ficou bem estabelecida cerca dos meados do século V, com Hipócrates, de Cós. Este baseava-se numa observação muito rigorosa dos sintomas e condições do doente e nos tratamentos já comprovados experimentalmente e preferia os auxílios naturais - tais como a dieta e o exercício ­ao uso de drogas. Ainda hoje sobrevivem algumas obras de Hipó­crates e da sua escola.

A História começou também por esse mesmo tempo, mais ou menos. Desde o fim do século VI alguns escritores coligiram e criticaram, até, algumas tradições referentes ao passado, mas, agora, Heródoto impunha um sistema e forma amplos, no seu material muito variado. Para os fins do século V, Tucídides estudou a Guerra do Peloponeso, à medida que ela ia decorrendo, num espírito hipocrático, observando os sintomas e diagnosticando as causas. Nenhum dos seus sucessores do século IV teve o seu critério e poucos tiveram a sua honestidade. A História começou a declinar bem ràpidamente para um novo género de propa­ganda política e moral.

COOK, R. Os Gregos - até Alexandre. Lisboa: Verbos, 1972.

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