Alexandre e os Gregos na Ásia


Ao transpor os Dardanelos, rumo à Ásia, na Primavera de 334 a. c., o jovem Alexandre começou a grande aventura da sua breve vida. Ia com ele um exército que não chegava a contar 40 000 homens, uma armada demasiado fraca para o poder escol­tar para além da Jónia, e, dentro dos cofres de guerra, escassas soldadas para uma semana. Levou consigo alguns contingentes gregos, mas mais no intuito de servirem de penhor do compor­tamento dos estados «aliados» que ia deixando atrás de si; o grosso das suas tropas de combate era composto por macedónios, trans­formados por seu pai numa força invencível. Em mente tinha a conquista do Império Persa. Pequeno como era, este exército não dependia de reforços e Alexandre gozava assim de grande liberdade de movimentos, como Ciro, contando ainda com a grande vantagem da têmpera da sua cavalaria, extraordinàriamente bem treinada.

Penetrando no interior, derrotou os sátrapas junto do rio Granico, continuando para sul em direção a Sardes e à costa jónica. Onde quer que conquistasse tetras do rei reivindicava-as como suas. Conseguiu a colaboração das cidades gregas, decla­rando-as livres e dispensando de tributo os seus territórios; e, ao contrário do que os Macedónios haviam feito na Grécia, substituiu os governadores pró-persas por democracias. Mileto ofereceu breve resistência. Mas o maior obstáculo de Alexandre foi Hali­carnasso, pois aí as guarnições do sátrapa, além de reforçadas por um corpo de mercenários gregos, eram animadas pela presença de Mémnon de Rodes, a quem Dario III confiara o supremo comando do Ocidente. Alexandre assentou arraiais a menos de um quilômetro da porta de Mílasos, e, enquanto esperava pela chegada do material de guerra necessário ao cerco, fez uma incursão malograda a Mindo. Começou então a des­gastar as defesas orientais de Halicarnasso, conseguindo por fim abrir brecha na muralha; antes, contudo, de lograr forçar a passagem, os situados levantaram no interior outra muralha de tijolos e continuaram a opor resistência. Depois de nova batalha indecisa os defensores da cidade fizeram uma surtida em força: as ambições de Alexandre quase caíram por terra, pois ele próprio havia sido derrotado; a catástrofe só foi evitada pelos veteranos de seu pai, que formavam a reserva. Entretanto, como tinham sofrido pesadas baixas, os sitiados guarneceram os baluartes de Sálmacis e da «ilha» e abandonaram a cidade às mãos dos Macedónios. Nem mesmo então ficou assegurada a vitória sobre Halicarnasso: a guarnição local agüentou durante mais de um ano uma força superior a 3000 homens que Alexandre deixara atrás de si. Mas a forma generosa como haviam sido tratadas as cidades jónicas produzira o seu efeito: os contra-ataques persas levados a cabo posteriormente no Egeu poucas consequências tiveram. Os mercenários gregos aprisionados foram tratados com clemência, o que também veio facilitar a tarefa posterior de Alexandre; e, como a fama militar de Alexandre ia aumentando ao mesmo tempo que a de Dario diminuía, as unidades gregas perderam a vontade de lutar até o fim pela causa persa. Depois de Halicarnasso, o mais grave risco que os Macedónios correram não residiu na possibilidade de uma derrota militar mas na de um acidente na pessoa do seu comandante, pois um dos segredos da espantosa estratégia de Alexandre era o desprezo pela própria vida.

Alexandre não deu descanso às suas tropas durante o Inverno; no entanto, passou-o na Lícia, onde a neve impedia os naturais da região de se fazerem às montanhas. Atravessou a Ásia Menor através de uma rota circundante, recebeu provas de submissão dos Paflagónios do Norte e libertou ou submeteu as cidades da costa meridional. Entretanto, Dario tinha instalado o seu quartel-gene­ral em Damasco; assim, no Outono de 333, quando Alexandre ia abrindo caminho até à Síria, o exército persa cortou-lhe a linha de comunicações em Isso. A batalha daí resultante foi decidido pela fuga de Dario, quando se viu atacado pelo centro. Alexandre tomou então o que para ele era uma resolução corajosa. Em vez de continuar a explorar até ao fim a vantagem adquirida, sem esperar que Dario pudesse reunir novos exércitos, dirigiu-se para sul, foi à Fenícia e apoderou-se das bases navais dos Persas. As outras cidades fenicias reservaram-lhe um bom conhecimento, mas a defesa agressiva da ilha-cidade de Tiro deteve-o sete meses. Mais tarde, nos fins do Outono de 332, Alexandre penetrou no Egipto, onde foi recebido como rei e deus; traçou, depois, na orla ocidental do Delta os limites de uma nova cidade, Alexandria, que depressa se tornaria a maior do mundo mediterrânico. O arquiteto encarregado de desenhar esta Alexandria fora con­tagiado pelo então nascente entusiasmo por projectos grandiosos; diz-se, com efeito, que se propunha esculpir o monte Atos, de 1980 m de altura, de modo que desse a idéia de Alexandre em libação, com uma cidade em cada mão e um rio a correr de uma para a outra.

Nos meses que se seguiram à batalha de Isso a guerra entrou na sua fase mais crítica. Na Grécia, Esparta era um centro de resistência; as cidades do Egeu mudavam de mão, e o experi­mentado general Antigono sofria fortes pressões para fazer com que o centro da Ásia Menor resistisse às forças terrestres reor­ganizadas do Ocidente persa. Mas a confiança que Alexandre depositava nos seus subordinados era plenamente justificada. Em 332 a contra-ofensiva persa abrandou. A seguir, com as satrapias ocidentais conquistadas e os assuntos inerentes arrumados, Ale­xandre encontrava-se, finalmente, a postos para atacar a leste; assim, no pino do Verão de 331, avançou em direção à Meso­potâmia. Dario, no entanto, reunira um novo exército com brigadas de elefantes e carros de combate armados de foices; tinha tido muitos meses para se aprontar, e, como Alexandre se aproximasse, preparou um campo para a batalha em Gaugamelos, perto de Nínive. Alexandre aceitou o desafio tal qual o adversário o lançara, evitando contudo correr riscos. Na batalha decisiva a sua cavalaria aguentou as alas durante o tempo necessário para pôr Dario em fuga. Meteu, então, ombros à conquista das capitais persas, tornando-se senhor de um tesouro tão grande que, posto em circulação, constituía uma parte substancial das riquezas mun­diais em moeda cunhada e em barra.

Talvez parecesse que, por esta altura, Alexandre atingia o fim da sua cruzada. Todavia, perante a vastidão do território iraniano, ainda virtualmente intacto, decidiu conquistar o Império Persa até aos seus confins: na verdade, quando ainda em Susa, Alexandre encontrava-se apenas a meio caminho entre a sua casa, em Péla, e o ponto mais longínquo que havia de atingir na sua jornada. Da Pérsia, avançou pelas terras altas da Média e pelas portas do Cáspio até chegar junto do rei moribundo; então, depois de dar pelo Sul uma volta de milhares de quilómetros, atravessou o Hindu-Cuxe e a Báctria no Verão de 329 e entrou na próspera pro­víncia de Sogdiana. Após deixar para trás Samarcanda (Maracanda), chegou por fim à fronteira no Jaxartes; aí fundou Alexandria, a Longínqua, e, com a ajuda de uma barragem da artilharia, transpôs o rio no intuito de dispersar os nómadas do Norte que guarneciam a outra margem. O ano de 328 passou-o a dominar perigosos levantamentos dos barões do Irão Oriental e a fundar novas cidades. Em 327, Alexandre desceu até ao Punjab, por Gandara, desbaratando o destemido rajá Poro na grande batalha junto do Jelum. Era seu ardente desejo dirigir-se para leste, descendo o Ganges até ao oceano; para sossego do seu espírito, talvez tivesse sido melhor fazê-lo, embora viesse, naturalmente, a verificar que a «Península Dourada) se encontrava mais para além. Mas já por esta altura tinham sido trans­postas as linhas limítrofes do Império Aqueménida, e os Macedónios acabaram por sublevar-se. Alexandre empreendeu então a campanha do Punjab, fundando cidades e erigindo pro­tectorados; desceu o rio Indo de barco e criou um arsenal em Patala. Daqui, depois de reconhecido o oceano Índico, mandou o seu almirante fazer o périplo da costa, enquanto ele próprio se meteu a caminho pelo deserto situado a sul, passando pelas mesmas privações que os seus soldados até o exército alcançar o golfo
Pérsico nos princípios do ano de 324 a. C. Fixou então a sua capital em Babilónia e estava a preparar uma expedição naval ao oceano Índico quando adoeceu com febres e morreu, no Verão de 323.

O mal de Alexandre foi não ser capaz de descansar. Em dez anos de campanhas incessantes desgastara os seus soldados até ao limite das forças; muita vez nem sequer tiveram repouso durante o Inverno. A vida era tão curta! Havia ainda tanto por fazer, e ele já com 32 anos! Esperara tornar, no império, os nobres iranianos iguais aos seus macedónios; seleccionara tropas iranianas para fazerem parte do seu exército e procurara revestir-se de pompas e cerimoniais do Oriente. Mas os mace­dónios não foram capazes de compartilhar as idéias inflamadas do seu chefe, e quando este regressou a Babilónia quase todos os sátrapas indígenas tiveram de ser demitidos. Os historiadores nunca se hão-de cansar de discutir quais as derradeiras intenções do grande conquistador e no que se teria tornado se tivesse con­tinuado a viver; pode ser que ele fosse, de facto, um grande idealista. No entanto, parece bem claro que, nos últimos anos, o seu carácter mudara consideravelmente. Os meios despóticos de que se servia deram origem ao medo, e o medo ao desamor: a paz, com Alexandre por soberano, deve ter parecido uma perspectiva bem pior que a guerra.

Dos muitos projectos de Alexandre, os mais duradouros foram as cidades que fundou - setenta, diz-se. Talvez o número seja exagerado, e é verdade que várias destas Alexandrias já existiam há muito, pois tratava-se de cidades indígenas. Porém, as cidades novas eram autênticas colónias. Gregos ficavam lá como cidadãos juntamente com alguns macedónios, recebendo um código de leis e terrenos para cultivar como colonos. A política de Alexandre foi continuada em maior escala pelos seus sucessores na Ásia; e estas cidades, com população mista de gregos e orientais, tornaram-se os centros de uma civilização e de um sistema cultural e eco­nómico.

A Grécia do Oriente depois de Alexandre

O império de Alexandre não se desintegrou com a sua morte. O exército e os generais mantiveram unidas as satrapias, perfilhando durante quatro anos a idéia da autoridade única e centralizada. Entretanto, porém, Ptolomeu havia-se tornado senhor incontroverso do Egipto, e quando em 319 o velho Antípatro morreu deixou de poder negar-se a fragmentação de um comando unificado. Rivais, os sucessores de Alexandre disputaram-se a posse do território e a .manutenção do que restava do grande exército: pelo ano de 304 a. C. os Cinco Grandes macedónios, investidos como governadores soberanos dos domínios conquistados por Alexandre, assumiram o título de reis. Ptolomeu, que aguentara todos os ataques contra o Egipto, funda uma dinas­tia que viria a acabar 300 anos depois com Cleópatra. No Oci­dente da Ásia, predominava o veterano Antígono: a maior parte daquelas hostes nómadas que durante muitos anos tinham cons­tituído o exército de Alexandre prestaram-lhe preito de obe­diência, procurando-o para receberem o soldo e se aproveitarem de qualquer oportunidade de pilhagem. Contudo, os agressivos desígnios de Antígono fizeram com que os reis rivais se aliassem contra ele, o derrotassem e o matassem em 301 a. C. Sobreviveu a esta batalha Demétrio, o filho exuberante de Antígono; os seus descendentes governaram a Macedónia, mas ele acabou na devassidão a sua carreira de vadiagem, a expensas de Seleuco, na Síria. Lisímaco, que governou a Trácia, conseguiu grande parte do reino de Antígono e procurou anexar a Macedónia aos seus domínios. Chegara, porém, a vez de os ânimos se virarem contra ele: em 281 a. C. foi destronado por Seleuco. Por esta altura já Ptolomeu morrera há um bom par de anos; Seleuco ficou sendo o único sobrevivente dos generais de Alexandre. Durante algum tempo governou praticamente todo o império de Alexandre na Europa e na Ásia, e o grande reino talvez tivesse podido enfim ficar unificado. Porém, Seleuco foi assassinado; tendo de fazer face às lutas intestinas sobrevindas, seu fim Antíoco I não pôde consolidar as recentes conquistas.

Os sucessores haviam combatido sob as ordens de Alexandre; eram homens fortes, impelidos por uma ambição pessoal que os manteve em pleno vigor até a uma idade avançada. Mas, mortos, já não havia chefe militar que reclamasse a herança integral. Atingira-se assim finalmente um equilíbrio flutuante do poder, e, embora não faltassem pomos de discórdia, surgiu uma configu­ração mais estável na divisão política do mundo helenístico. Daí para diante, a Europa e a Ásia passaram a ficar sepa­radas.

No Egipto, os Ptolomeus prestaram especial atenção não só à organização econômica do país mas também ao comércio, tratando assim de amontoar grandes riquezas. Haviam adquirido a frota de Demétrio e, como além disso possuíam Chipre, estavam em condições, por volta de 200 a. C., de dominar o· Levante (e de alargar esse domínio a um ponto tão setentrional como o Líbano), a par de um pequeno império no Egeu e da faixa costeira do Sul da Ásia Menor, que lhes permitia satisfazer a grande necessidade que o Egipto tinha de madeira. O Egipto só muito superficialmente foi helenizado pelos primeiros ptolomeus; a história subseqüente do domínio grego naquelas paragens foi toda feita de crescentes concessões às exigências políticas e religiosas dos natu­rais; disto é testemunha 'a pedra de Roseta do Museu Britânico.

A ilha de Rodes formou, com os Ptolomeus, uma espécie de sociedade comercial. Cidade independente, Rodes granjeou a admiração do mundo grego por resistir à grande armada e aos enge­nhos de cerco de Demétrio em 305-304 a. C., mostrando assim que uma guerra levada a cabo como fim em si era tão ineficaz quanto fútil. No século III, Rodes fez da sua armada uma força poderosa e concentrou os seus esforços em varrer dos mares os piratas.

Alexandre jamais visitara as costas setentrionais da Ásia Menor e os seus generais não causavam aí muita impressão. As principais cidades gregas eram na sua maioria grandes e prósperas, estando em condições de, conjugadas com os reinos indígenas, resistir à incorporação nas monarquias helenísticas. Rodes à parte, não havia no Oriente grego cidades independentes mais importantes do que Cízico, Heracleia Pôntica, Sinope e (do outro lado do Bósforo) Bizâncio. Dos três reinos da região, o de Paflagónia nunca chegou a ser politicamente forte. O mesmo se não pode dizer de Bitínia, que cedo começou a ocupar um lugar de relevo no mundo grego, sob a chefia de reis activos que edificaram, junto à costa, cidades de cariz grego, adoptaram os costumes e normas da corte e da justiça gregas e fomentaram o comércio com o Egeu. Mais para leste, a dinastia persa de Mitridates Ktistes, no Ponto, estava prestes a adop­tar o título da realeza, muito embora os tempos áureos deste novel reino tivessem principiado apenas em 183 a. c., quando Farnaces I conquistou Sinope de surpresa e, com ela, um lugar na orla marí­tima do mundo helenístico. Este grupo de potências formou uma liga setentrional no início do século III. Uniram-se para fazer face ao rei selêucida da Síria, Antíoco I, e asseguraram a reta­guarda, implantando, no planalto da Anatólia, uma poderosa força de celtas europeus (os Gálatas).
Entre os que abandonaram a causa de Lisímaco, antes da der­rota deste em 281 a. C., contava-se um tal Filetero, oriundo de uma das colónias gregas do mar Negro. Filetero havia sido posto à frente da fortaleza de Pérgamo, onde estava guardada uma grande parte do tesouro real. Por morte deste, em 263 a. c., o seu sobrinho Êumenes rejeitou a obediência devida aos reis da Síria, e quando Átalo I, que lhe sucedeu em 241, saiu vitorioso dos belicosos Gálatas e tomou para si o título de rei, nasceu um pe­queno reino no Ocidente da Ásia Menor. Átalo foi alvo, durante uns tempos, de fortes pressões por parte dos Selêucidas. Mas quando estes desistiram da sua intenção de se apoderarem de Pérgamo, Átalo tratou de alargar os seus domínios; graças a uma prudente aliança com Rodes e ao poder em vias de expansão de Roma, o novo reino de Pérgamo em breve se tornou preponde­rante na metade ocidental da Ásia Menor.

O mais importante reino do Oriente era, como é óbvio, o dos Selêucidas. Seleuco não havia sido dos primeiros a encetar a corrida para o poder. Recuperada Babilónia em 312 a. c., prin­cipiou a manobrar as coisas de modo a assegurar-se das satra­pias do Oriente. Contudo, só em 301 se apossou da Síria, fazendo do vale do Orontes o cerne do seu império, e, como tivemos oportunidade de verificar, apenas no fim da vida alargou a sua soberania à Ásia Menor, tornando-se assim, por momen­tos, o mais poderoso soberano do seu tempo. Deixou, sàbia­mente, as conquistas indianas de Alexandre a Chandragupta, novo imperador maurya, a troco de um tratado de amizade e 500 ele­fantes de guerra. Apesar disso, o reino selêucida da Asia amda se estendia por 45 graus de longitude; sendo, porém, intrusos aos olhos da nobreza iraniana e uma das várias dinastias rivais aos olhos dos Gregos, os Selêucidas não conseguiram assegurar-se da fidelidade que lhes permitiria garantir a paz nas duas extremidades do império ao mesmo tempo. Por consequência, esforçaram-se incessantemente por manter o status quo. A ocidente, os Ptolomeus disputavam-lhes a posse da orla marítima, os Gálatas perturbavam a paz no centro da Ásia Menor, e o reino atálida expandia-se pelas vizinhanças de Pérgamo; ainda houve mais instabilidade no Oriente.

Pelos meados do século III, um povo nómada que passou à história com o nome de Parto apoderou-se da região a sudeste do Cáspio, abrindo uma brecha no seio do Império Selêucida: as províncias orientais ficaram assim isoladas do Ocidente. A região do Afeganistão Meridional (a antiga Aracósia, ao que parece), passou, nesta altura, a estar sob a alçada indiana, pois existe uma inscrição num rochedo, descoberta em 1958 em Kandahar - sítio presumível de uma outra antiga Alexandria -, onde se enumeram os bene­fícios do governo moderado de Asoca em textos paralelos grego e aramaico. Infere-se daqui ter a região sido perdida pelos Selêu­cidas antes de 250 a. C.; pela maneira como está escrito o texto grego, nada antiquado para o tempo ou sequer rústico, podemos deduzir que, durante as gerações anteriores, havia sido mantido pleno contacto com o mundo grego. A norte, em Báctria e Sogdiana, o sátrapa grego conseguiu resistir, pois dá a impressão de que se tornou governador quase independente. Uma geração mais tarde, as fronteiras deste principado foram alargadas por um grego de Magnésia chamado Eutidemo; quando Antíoco, o Grande iniciou a reconquista das satrapias do Oriente, por volta do final do século, a encarniçada resistência que Eutidemo lhe ofereceu valeu-lhe vir a ser reconhecido como monarca independente. Foi assim que Báctria se tornou centro de um poderoso reino, no qual, cada vez mais isolados do mundo mediterrânico, Gregos e Iranianos coexistiram em boa harmonia. O filho de Eutidemo, Demétrio, prosseguiu a obra encetada pelo pai. Invadiu a Índia por volta de 180 e, favorecido pelo sentimento budista, criou um reino greco-indiano cujas vastas províncias perduravam ainda cem anos depois de o reino-mãe báctria ter desaparecido. Gregos e Indianos parece terem convivido como cidadãos; os Indianos desempenhavam funções públicas nas cidades gregas e o grego continuaria a ser usado, pelo menos como língua heráldica, durante grande parte do primeiro século depois de Cristo.

Talvez as escavações arqueológicas possam um dia eluci­dar-nos um pouco acerca desta civilização indo-grega. Temos motivos para pensar que na origem do drama indiano deve haver inspiração de peças ou mimos gregos - aliás o nome do pano de fundo dos palcos indianos veio a ser depois designado por Yavanika ( “Jónico”, i. e., grego); por este tempos foram também aparecendo inovações na prática da medicina indiana, e em determinada altura a astronomia grega seria aceite na Índia. Quanto- à arte, no entanto, a influência helenística parece ter-se feito sentir relativamente pouco, pois foi no tempo dos Romanos, com a Pártia a servir de intermediária e sob o impacte das formas ocidentais, que nasceu o estilo escultural de Gandara. Por seu turno, os Gregos parece terem abraçado com facilidade o budismo como filosofia religiosa e aprendido a língua e adoptado os cos­tumes indianos. Consideravam, regra geral, os Indianos como sendo dos “melhores” bárbaros. Talvez a leitura do texto da inscrição de Asoca, em Kandahar, nos dê uma ideia mais aproximada da admiração que os Gregos tinham por uma maneira de viver totalmente diferente da sua: «Após se completarem dez anos do seu reinado, o rei Piodasses (Asoca) manifestou piedade para com os homens e tornou-se, daí para diante, a pessoa mais pie­doso, passando tudo a florir pela terra inteira; e o rei abstém-se de comer criaturas com vida [a versão aramaica diz, mais correcta­mente, que pouca carne é morta para ser servida à sua mesa], e o resto dos homens procede de maneira semelhante; os caça­dores e pescadores do rei deixaram as suas tarefas e as pessoas que até então haviam na vivido intemperança abandonam-na, tanto quanto lhes é possível; manifestam mais obediência aos pais e aos maiores, e por tal fazerem hão-de viver melhor e mais reta­mente daqui para o futuro.)

Antíoco III da Síria recebeu o cognome de o Grande por ter submetido os Partos e restaurado a supremacia se1êucida no Oriente. Mas foi menos afortunado quando se virou para o Oci­dente. A seguir à conquista de Cartago, os Romanos viram-se envolvidos nas vicissitudes da política grega. A fama do poder de Antíoco alarmou-os, e, aliando-se aos inimigos deste, infligiram­-lhe uma esmagadora derrota em Magnésia de Sípilos, em 189 a. C. No tratado que pôs termo às hostilidades, os Selêucidas viram-se despojados de todos os seus territórios na Ásia Menor, excepto uma nesga na costa ciliciana; apesar da política vigorosa de Antíoco Epifânio, a perda dos territórios orientais prosseguiu, assenho­reando-se os Partos de Babilónia e do curso superior do Tigre. Como a intervenção constante de Roma impedia qualquer tenta­tiva de recuperação por parte dos reis da Síria, este reino tornou-se simples principado na costa do Levante; o helenismo entrou em decadência e o mundo mediterrânico perdeu um Oriente grego igual em extensão a toda a metade ocidental do Império Romano. Passadas umas escassas centenas de anos após as conquistas de Alexandre o que era Destino Manifesto no Oriente acabou em Ruina Evidente para além do Eufrates.

Levando em conta a grande extensão do seu poder, e o facto de terem tido fama de ser os mais temíveis inimigos de Roma durante vários séculos, os Partos foram, não obstante, um povo estranhamente incaracterístico. Alcançaram o poder antes de o mundo grego os ter assimilado. Adquiriram, contudo, um verniz da cultura e das instituições gregas, e a sua corte era, bem entendido, semi-helenizada. Dizia-se que, estando um dia o rei Orodes dos Partos em companhia do rei da Arménia, seu convidado, a assistir a uma representação das Bacantes, de Eurípedes, apareceu ines­peradamente a cabeça de Crasso, degolada no campo de batalha, para representar o papel de Penteu desmembrado. Os Partos não destruíram as cidades gregas. Os Helenos, com efeito, mantiveram a sua língua e os seus costumes, e as cidades formavam os cen­tros da vida cultural e económica dos novos reinos orientais arrancados ao domínio dos Selêucidas. A residência favorita da corte parta, no Inverno, era Ctesifonte, apenas a uns cinco quilômetros da velha capital oriental dos reis sírios, Se1eucia do Tigre; a destruição de Seleucia, em 165 a. C., não foi obra dos Partos mas de um exército romano, recebido aliás com amizade pelos cidadãos gregos. Uma das fotografias deste livro mostra uma estátua que representa um chefe dos Partos. Noutras vê-se situado no alto de uma montanha o santuário funerário dos reis de Comagene - principado do Eufrates superior que se desmem­brou do Império Selêucida antes dos meados do século II a. C.

Salvo raras excepções, as novas cidades fundadas por Alexandre e pelos seus sucessores no Oriente haviam sido, em primeira instância, colónias quase militares para protecção das rotas; constituíam assim postos avançados contra a ameaça de incursões. Os pri­meiros colonos gregos foram principalmente soldados e veteranos, e estas cidades, tanto quanto têm sido examinadas apresentam um aspecto rígido, muito semelhante ao dos aquartelamentos; idêntica regularidade deviam apresentar também com certeza os quinhões de terra concedidos aos colonos. É óbvio que muitos foram os voluntários que, da velha Grécia e doutras terras helenizadas, afluíram a estas novas fundações na esperança de melhores dias; algumas, como Mileto e Magnésia entre outras, enviaram corpos organizados de colonos que constituiriam o núcleo da nova colónia. Mas, de um modo geral, as cidades novas não passavam de fundações pessoais dos próprios monarcas. Na Síria Setentrional, os grandes centros metropolitanos dos Selêucidas eram Antioquia e Apameia, no vale do Orontes, juntamente com Seleucia e Laodiceia, perto ao mar. Antioquia veio a ser a capital civil, e Apameia a base militar. Era esta a região mais intensamente helenizada de todo o Oriente, e se por um lado as grandes cidades tinham recebido o nome de reis e rainhas, também, por outro, séries inteiras de topónimos como Péla, Beroea e Piéria, testemunhavam a intenção dos Selêucidas em converter a Síria Setentrional numa segunda Macedónia. Não restam dúvidas de que a Síria Meridional teria sido igualmente helenizada se tivesse caído em poder dos primeiros reis selêucidas; no entanto, pertencia aos Ptolomeus do Egipto, que não eram construtores de cidades helenizantes. Nos primórdios dos tempos helenísticos, a população de Antioquia não devia contar os duzentos e cinquenta mil ou mais habitantes que ali viviam sob o Império Romano; mas a cidade original, a dos Selêucidas, dá a impressão de ter tido, não obstante, quilómetro e meio de com­primento por uns oitocentos metros de largura. A Mesopotâmia não estava ocupada com tal densidade por colónias gregas. Todavia, Seleucia do Tigre, que suplantou Babilónia e depois passou o facho a Bagdade, tinha mais população que Antioquia.

Nestas capitais, o número de gregos emigrantes a trabalharem na agricultura, no comércio e no funcionalismo público em breve terá ultrapassado as dezenas de milhar. Quanto à cidade portuária de Seleucia na Pieria, que caíra sob o jugo dos Ptolomeus, não teria, cem anos após a sua fundação, mais de 6000 homens, adultos e cidadãos; havia povoações mais pequenas, na rota das cara­vanas, como Dura (Europo) nas margens do Eufrates. A julgar pelas conclusões a que chegaram recentemente os investigadores franceses, estas novas fundações parecem apresentar certos traços comuns. A guarnição estava albergada numa cidadela situada numa colina em posição estratégica. Abaixo, ficava o bairro residen­cial, circundado por uma muralha que seguia os contornos do solo e traçado segundo um plano axadrezado austeramente regular, com ruas de mais de 6 m de largo e blocos residenciais cujo comprimento tinha regularmente o dobro da largura. Uma das ruas era, normalmente, escolhida para ser uma avenida larga. [...]

Em terras já anteriormente gregas, não houve certamente a mesma necessidade de criar urbes novas. Contudo, a política dos sucessores de Alexandre exigia alterações consideráveis. Quando Alexandre libertou os gregos do Ocidente da Ásia Menor muitas foram as cidades que celebraram a liberdade de novo adquirida, cunhando moeda de bronze própria; por este motivo, o estudioso de hoje poderá ser levado a pensar que naquela altura havia maior número de cidades gregas independentes do que até então. Muitos destes lugarejos eram, todavia, demasiado pequenos para poderem arcar com a sua própria defesa ou para continuar a funcionar como comunidades autónomas no novo universo do poder político; os sucessores de Alexandre queriam cidades fortes e bem defendi­das, que lhes servissem de pontos focais nos seus reinos. Assim Antígono, por exemplo, criou a nova cidade de Antigonia, depois chamada Alexandria Troas, em que foram incorporadas meia dúzia de velhas cidades da Tróade; após ter-se malogrado a tentativa de Antígo~o para que Teos e Lébedo se fundissem, Lisímaco obrigou os habItantes de Cólofon e de Lébedo a mudarem-se para uma grande cidade que fundara em Éfeso. Por vezes era neces­sário empregar a força para pôr estes synoecismos em movimento.
Não foi sem razão que os Colofónios se recusaram a abandonar as suas antigas moradas até ao momento em que Lisímaco enviou tropas e os derrotou numa batalha; sabemos que também os Efésios não queriam deixar a cidade onde viviam, fazendo-o apenas quando Lisímaco lhes obstruiu os aquedutos durante uma tempestade, provocando inundações. Porém uma vez estabelecidas, estas cidades ditaram os moldes da vida helenística. Entre os gregos destas paragens, a vida no campo parece ter quase chegado ao seu termo. Os cidadãos tinham as suas casas na cidade, donde sairíam, pre­sume-se, na devida época do ano para trabalhar nos campos. Os restos de habitações rurais helenísticas que hoje se deparam ao arqueólogo dão ideia de pertencer quase exclusivamente a aquar­telamentos; já a Paz Romana estava firmemente estabelecida quando a vida no campo foi retomada em escala apreciável. Como veremos, os Gregos só se tornaram especialistas na arte de viver em cidades durante a Época Helenística.

Fundar cidades novas e fundir velhas não constituiu tarefa fácil. Em primeiro lugar, tratava-se das fortificações; sabemos por uma inscrição de Cólofon que, quando os cidadãos - talvez no regresso do exílio, depois da queda de Lisímaco em 281 a. C­contribuiram do seu próprio bolso para uma subscrição que visava a reconstrução da cidade, o arquitecto foi encarregado de, em primeiro lugar, desenhar os planos da muralha. Mas também era preciso traçar a planta de uma ágora e de um sistema de arrua­mentos, assim como era mister formar lotes para a construção pública. Pedras de cantaria, mármores, metais, madeira, tudo isto se exigia em grande quantidade; devem ter sido postas a funcio­nar fábricas de tijolo e telha. Nos santuários havia falta de está­tuas e mobiliário. Documentos da época provam que, quando as povoações eram feitas de raiz, também se necessitava de sementes e reservas de cereais, bem como de alfaias agrícolas; e, além de arquitectos, era ainda preciso encontrar bons pedreiros e técnicos de outros ramos. Os reis mantinham, em certa medida, equipas de tais especialistas, auxiliando ainda estas fundações recentes, com a isenção de impostos ou a concessão de auxílio financeiro directo; a frase que aparece de quando em vez nas inscrições documentais, dizendo que o rei tomou previdências» em relação à nova povoação, refere a necessidade de uma dinâmica força motriz nos bastidores. Estas cidades novas não resultavam apenas da aplicação de régua e esquadro e fiat régio; cada uma exigia esforço e atenção, assim como disponibilidades financeiras da parte do governante fundador. No Capítulo XIV consideraremos mais pormenorizadamente o modo de funcionamento da cidade he1e­nística. Mas primeiramente detenhamo-nos para averiguar os progressos que os Gregos iam fazendo no seu trato com o mundo exterior.

COOK, J. Os gregos na Jónia e no Oriente. Lisboa: Verbo, 1972.

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