Os meios do Poder na Pérsia Aquemênida

Três forças essenciais asseguram o poderio do império aquemênida: a justiça, que, expressão da ética per­sa, assegura ao reino a ordem e a igualdade entre as pessoas; o exér­cito, instrumento indispensável para a conquista e manutenção da hegemonia persa; as finanças que permitem aos reis adquirirem o que querem e cuja principal fonte é o tributo dos países submissos.

Fixação e percepção dos impostos

"O rei é a espada e o escudo do Estado; assegura seu repouso e sua tranqüilidade. Para defendê-lo, ele necessita de armas, soldados, fortalezas, arsenais, vassalos e todas essas coisas exigem muitas despesas. Aliás é justo que o prín­cipe tenha como sustentar a majestade do império e meios para fazer respeitar sua pessoa e sua autoridade. São essas as duas principais razões do estabelecimento de tributos." Heródoto explica e justifica o imposto ao qual os reis aquemênidas submetem os povos conquistados.

Sua percepção é assegurada pelo sátrapa. Este emprega uma parte para seu próprio uso, para o soldo dos funcionários locais e administra­ção de seu território. O resto, que é a maior parte, é entregue ao rei.

Segundo Plutarco, o montante da parte entregue ao rei é decidido em conjunto entre este e os representantes das províncias: "A história observa que Dario, impondo seus tributos, demonstrou uma grande sabedoria e uma grande moderação. Chamou os principais chefes de cada província, que melhor podiam conhecer o forte e o fraco, e que tinham interesse em falar com sin­ceridade. Perguntou-lhes se uma certa soma, que propunha para cada um deles para suas provín­cias, não era muito a/ta e não excedia suas forças. Sua intenção, dizia-lhes, não era sobrecarregar seu povo, mas de tirar deles recursos proporcio­nais ao lucro, que eram absolutamente necessá­rios para a defesa do Estado. Todos lhe responderam que a soma parecia-lhes razoável e que não seria uma carga para seus povos. Entretanto ele ainda abateu a metade, preferindo ficar bem à margem das normas justas, que expor-se talvez a ultrapassar."

Não sendo o sátrapa submetido a nenhum controle para a percepção desses impostos, a sabedoria do rei estava ciente da parte suplementar que o governador não deixaria de exigir para em­pregar em suas próprias necessidades. Além dis­so, o sátrapa devia saber como o imposto é irri­tante para quem o paga.

Pagamentos em espécie e “in natura”

A índia enviaria assim 4.680 talentos, a Assíria e a Babilônia 1.000, o Egito 700, a Ásia Menor, dividida em quatro circunscrições ou "nomos", fornecerá 1.760. O total geral atingi­rá 14.560 talentos, aproximadamente, um bilhão de cruzeiros.

Suas riquezas são guardadas nas tesourarias, as gaza, das principais capitais reais. Nestes locais, lingotes de ouro ou de prata são guardados e serão cunhados em moedas à medida em que exigem as necessidades do reino.

Mas o imposto não é recebido somente em "espécie". Heródoto o diz: "Além desses tributos recebidos em dinheiro, havia uma contribuição que se fazia in natura através de mercadorias e provisões para a manutenção da mesa do rei e de sua casa, e através do fornecimento de sementes, forragens e víveres para subsistência dos exércitos, cavalos para a remonta da cavalaria."

Esses impostos em natureza tomam for­mas variadas e às vezes inesperadas: 120.000 me­didas de trigo, destinadas ao exército de ocupa­ção, para o Egito; SOO eunucos para a Babilônia; 100.000 ovelhas para a Média; 300.000 frangos para a Armênia; cães de caça e pó de ouro para a índia; dentes de elefantes, madeira de ébano e cinco crianças para a Núbia; 100 quintais de incenso para os Árabes ...

Esses tributos naturalmente só são obri­gatórios para os conquistados. Os Persas, "povo­ mestre", são isentos. A Pérsia contenta-se em oferecer presentes aos reis respeitados.

A grande importância dada à justiça

"Parece que, na Pérsia, os reis tinham um grande cuidado para que a justiça fosse admi­nistrada com muita integridade e desinteresse." Essa observação de Heródoto nada tem de surpreendente.

Cavaleiro radioso, inimigo das forças obs­curas e da mentira, o rei age em nome de Ahura Mazda, o deus luminoso. Sua função é a de juiz supremo. Sendo inspirado pelo grande deus, a lei que edita é considerada como expressão da von­tade divina.

Uma promessa ou uma decisão reais são irrevogáveis. O direito baseia-se apenas em decre­tos reais. A educação dos príncipes os prepara para esse encargo. Falando de Ciro, o Ciropédia de Xenofonte observa: "Ele ia à escola para aprender a justiça, como se vai para aprender as letras e as ciências."

O soberano aquemênida transforma a jus­tiça em matéria penal, sobretudo quando se trata de crimes contra a segurança do Estado ou contra sua pessoa. Em matéria civil, delega de modo ge­ral seus poderes aos velhos sábios de sua corte.

O império dispõe de uma Alta Corte de justiça. Composta de sete juízes reais. A corrupção dos magistrados é um crime capital que sanciona a execução do corruptor e do corrompido. Vimos a medida tomada por Cambises com relação a Sisamnés.

Dispersos pelo império, os tribunais tra­tam de casos menos importantes. A esse propó­sito, Xenofonte destaca: "Os juízes comuns eram tirados do conjunto de velhos, onde não se entra­va antes de 50 anos. Assim, ninguém exercia jus­tica antes dessa idade, pois os Persas acredita­vam que não se estava suficientemente maduro para julgar fatos que decidem os bens, a repu­tação e a vida dos cidadãos."

Uma justiça ponderada, humana ...

A fim de evitar a lentidão da justiça, essa rede de sociedades burocráticas, um prazo máxi­mo é previsto para o exame de cada caso. Usa­va-se o juramento e o ordálio.

Uma lei essencial da justiça persa: jamais condenar um culpado sem confrontá-lo com seus acusadores e sem dar a ele tempo e meios para responder aos chefes da acusação feita contra ele. Uma pessoa acusada erroneamente vê seu delator ser condenado à própria pena que lhe era destinada. Por ódio à mentira, a justiça persa dá mais valor à noção de verdade... Dizer a verdade" pertence à moral aquemênida.

O tribunal persa não dispensa apenas pe­nas, mas também recompensas. Sanciona a vida pública. Em seus julgamentos, considera os ante­cedentes e os serviços prestados pelo acusado. Heródoto observa: “Não era permitido nem aos particulares matar um escravo, nem ao rei aplicar pena de morte contra nenhum homem por uma primeira e única falta, pois ela podia ser vista mais como efeito da fraqueza e da fragilidade humana que como marca de uma tendência criminosa. "

Boas e más ações, méritos e desmereci­mentos encontram seus lugares na balança da justiça. Os Persas não consideram justo que um só crime possa apagar a lembrança de todas as boas ações de um homem.

Heródoto prossegue: “Se, através de um exame refletido, ficasse estabelecido que as fal­tas do escravo fossem em maior número e mais consideráveis que seus serviços, seu senhor po­dia então agir segundo sua cólera."

Naturalmente os juízes consideravam os costumes particulares dos povos, suas leis pró­prias ou o espírito de seu código. Adaptam seus vereditos em função desses elementos es­pecíficos.

Bastante complexo por esses diversos cri­térios, o direito dará origem a uma classe de especialistas: os “oradores da lei" que levarão seus conselhos aos queixosos e dirigirão seus processos.

....mas com penas terríveis

A gama de castigos é vasta e o juiz tem dificuldade de escolha. As penas leves consistem em chicotadas, variando de cinco a 200. O homi­cídio involuntário expõe a 99 golpes. O envene­namento de um cão de pastor recebe a pena má­xima: 200 golpes. Essas penas são conversíveis em multa.

As penas mais graves são sancionadas pelo ferro quente, a mutilação, a privação da vista, o envenenamento e a morte. A traição, o rapto, a sodomia, o assassinato, o fato de queimar um morto, uma intrusão na intimidade do monarca, o fato de aproximar-se de uma de suas concubinas, sentar-se em seu trono ou causar algum desgosto em sua casa são sancionados com a pena capital seguindo diversos modos de execução. Estes vão do envenenamento ao sufocamento, passando pela crucifixão, empalamento e enforcamento.

A alta traição conduz à degolação e extra­ção de um braço. O rebelde é punido de modo exemplar: cortam-lhe o nariz, as orelhas, furam-­lhe os olhos, depois é exposto ao povo e enfor­cado no local em que cometeu sua falta. Serão esses os processos da justiça repressiva utiliza­dos por Dario após as revoltas.

MOURREAU, J. A Pérsia dos Grandes Reis e de Zoroastro. Rio de Janeiro: Otto Pierre, 1979.

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