O Governo Senatorial de Roma


A autoridade aristocrática exercia-se em Roma através dos cônsules e do Senado, auxiliados pela acção de tribunos seus aliados. O longo período de guerra, durante o qual o experiente Senado agiu como um conselho de guerra, fortalecera a sua posição na Administração. Constitucionalmente um corpo consultivo, o Senado assumira as principais funções de controlo directo - na política, na nomeação de funcionários e nas finanças - e serviu-se da sua competência legal para garantir as suas prerrogativas. Os cônsules serviam o Senado porque suas famílias já estavam integradas no círculo mágico que o constituía, ao passo que a nobreza de origem plebeia formava a base de recrutamento dos tribunos. As assembleias populares não dispunham de iniciativa própria.

Políbio, proeminente dirigente acaio e já um historiador com bastante experiência, veio para Roma depois da Terceira Guerra Macedónica. Vivendo no meio ligado à família Cipião, Políbio sentiu o poder dinâmico do imperialismo romano e lançou-se na empresa de escrever a história da expansão romana desde 220 a. C. até à sua época, numa «História Universal» de quarenta volu­mes. O seu trabalho ilumina e esclarece a história da República no seu período crucial. Muito especialmente, quando estudou a recuperação de Roma depois da derrota de Canas, serviu-se da sua experiência para descrever a administração do Estado, tal como a via. Como a maior parte dos Gregos, Políbio pensava em termos constitucionais quanto ao desenvolvimento e declínio dos sistemas de governo, pois o exercício do poder tendia a corrom­per os governantes. Segundo ele, da realeza primitiva à monarquia regular, derivando depois para a tirania, o processo conduzia ao governo aristocrático que, por sua vez, reduzia o seu âmbito para cair na oligarquia; depois, pela força, o povo impunha a demo­cracia, que resvalava na direcção do sistema de governo imposto pelas multidões, do qual voltava a despontar a tirania para iniciar novo ciclo. A história grega sugeria aquela fórmula. Mas até que ponto era inevitável esse ciclo? Talvez este constituísse um fenómeno biológico. Ou poder-se-ia controlar o processo asso­ciando a monarquia, a aristocracia e a democracia, de modo que cada elemento pudesse refrear o elemento corruptor preponderante nos outros? Pelo que respeita a Roma, Políbio conheceu cônsules, como Emílio Paulo, que foram verdadeiros sucessores de reis: eram os chefes do executivo do Estado e constituíam a autoridade suprema em campanha. Políbio observou a influência decisiva do aristocrático Senado, dominando a diplomacia e as finanças, e reconheceu a importância legislativa das assembleias populares.

Cada membro do governo, concluiu ele, dispunha de poderes que contrabalançavam os dos outros. Então porque sublinhamos nós a chefia por parte dos nobres? Porque a observação prática de Políbio tinha mais valor do que a sua teoria, possibilitando-nos o devido ajustamento do contexto geral.

Roma - segundo a terminologia moderna - tinha um sis­tema «representativo», mas não «responsável», semelhante ao que preceitua a Constituição dos Estados Unidos da América, que se inspirou em conceitos romanos, mas diferente da prática parla­mentar britânica. Isto é, no sector executivo, os cônsules eram eleitos mas, depois da eleição, exerciam o seu próprio imperium de funções, limitado Unicamente pela lei, como acontece com o Presidente dos Estados Unidos. Suprimidas as restrições legais por decreto em período de emergência, como o Senado se arro­gava o direito de fazer, os cônsules tornavam-se os senhores de Roma durante esses períodos. O Senado gozou sempre da prerro­gativa de, digamos, “aconselhar e consentir”, à qual então acres­centou uma certa margem de iniciativa. As assembleias do povo, reunindo-se nas suas centúrias ou tribos ou no Concilium Plebis, constituíam os conselhos legislativos e, normalmente, decidiam sobre os assuntos que lhes eram propostos pelos magistrados que as presidiam, depois de consultas prévias com o Senado. Podia pois acontecer que os assuntos fossem propostos pelos próprios cônsules ou tribunas. Assim, os nobres, ao usarem a sua influência pessoal, podiam indirectamente impor a sua vontade ao Estado. Sob o aspecto político, embora não constitucionalmente, estaria então Roma, sob a pressão do ambiente social, numa fase de declí­nio da aristocracia em favor da oligarquia? Afinal, talvez a fórmula de Políbio esteja certa! Realmente os tribunos, como Políbio admitiu, tinham a liberdade de actuar com independência, veri­ficando-se que tribunos poderosos, como os Gracos, podiam diri­gir-se directamente ao povo; ou, se aos tribunos faltava poder, um cônsul como Mário podia proceder desse modo. Por isso, na prática, existia uma democracia que, por resvalar em direcção ao governo imposto pelas multidões, foi substituída pela ditadura de Sila. De facto, o ciclo repetir-se-ia grosseiramente depois de Sila até Augusto instituir o império.

Voltando ao problema italiano, verificamos que Políbio tem sobre ele um trecho elucidativo. Na Itália, segundo o historiador, os crimes que requeriam inquérito público - tais como traição, conspiração, envenenamento ou assalto - eram tratados pelo Senado, portanto nas mesmas condições da arbitragem que exer­cia entre os seus aliados. Onde estava o valor dos tratados que reconheciam a autonomia local? Era esse o problema. Realmente, o desenvolvimento social e económico da Itália, desde a Segunda Guerra Púnica, aproximara as regiões umas das outras. Por conse­quência, a traição e a conspiração verificadas num certo lugar podiam propagar-se facilmente a outros; o vírus de uma epidemia não conhecia limites e podia originar suspeitas de envenenamento; um maior número de viajantes dava ao problema dos assaltos nos caminhos um carácter de interesse geral. Numa palavra, a Itália estava preparada para um alargamento da cidadania romana. Porém, os dirigentes romanos e italianos hesitavam em tomar essa decisão, adiando-a enquanto pudessem imaginar medidas de segurança pública. Tinha de surgir um problema legal, e vamos encontrá-lo na repressão do culto báquico. A veneração de Dioniso estava largamente difundida em Itália, da Etrúria para o Sul. Como se poderia pois regulá-la localmente? Somente pela decla­ração de um «estado de emergência) que justificasse, por parte de Roma, o envio de instruções aos seus aliados. A questão báquica tomou assim uma feição política que se materializou, por exemplo, na “conspiração bacanaliana” de uma associação ilegal que, afir­mava-se, pretendia subverter a confederação italiana. O perigo era, sem dúvida, exagerado: a importância da questão reside no procedimento adoptado pelo Senado para aplicação em Roma e no conjunto da Itália - proclamar um estado de emergência, dar aos cônsules os poderes conferidos pela lei marcial e enviar instruções pormenorizadas aos seus aliados.

MacDONALD, A. Roma Republicana. Lisboa: Verbo, 1972.

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